Era uma vez novembro
- Carmem!!!
O grito que ecoou pela casa, pode ser ouvido por longos minutos, ecoando nas montanhas e matas distantes, contrastando com aquela voz sussurrante, ouvida pela menina três anos antes.
- Carmem... Carmem... Carmem...
Uma mulher branca, quase transparente, usando um longo vestido branco, esvoaçante, acenava com a mão e sussurrava.
- Carmem... Carmem... Carmem...
- Mãe quem é ela?
A menina olhava ao longe, próximo a uns eucaliptos, e apontava.
- Não tem ninguém lá, Carmem.
- Tem sim, mãe. Olha lá. Ela está toda de branco, me chama e faz assim.
Levantava as mãos e mostrava três dedos. Era a idade dela. Nem prestou muita atenção, deu uma explicação qualquer, que nem lembraria depois, e seguiram em frente. A mãe católica fervorosa, nem queria discussão, mesmo quando um dia a menina perguntou.
- Mãe, é verdade que crianças são anjos?
- Claro, filha.
- Se eu morrer vou para o céu.
- Daqui a muitos anos, quando fores velhinha, vais morrer, como todo mundo, e vais para o céu, ficar ao lado de Deus.
No mês de novembro de 1953, atípico, fez uma friagem intensa no sul do Brasil, de gear. Os campos ficaram alvos, e a garota, ali com seis anos, olhava ao longe.
- Mãe, no céu faz frio assim?
- Não filha, que bobagem.
- Mãe, se eu morrer, a senhora vai chorar?
A mulher olhou fixamente para a garota, sua filha mais velha, cuidando do filho mais novo, com cerca de nove meses, criança pela qual, Carmem, a mais velha, tinha uma adoração incondicional.
- Deixa de ser boba, Carmem, na certa eu vou morrer bem antes.
Sempre alegre, e atenciosa, a menina Carmem, com seus tenros seis anos, era adorada e admirada por todos á sua volta. Carmem, estava sempre por perto do mais novo, quinto filho de seus pais, cuja alcunha era Noi. Não satisfeita com a resposta evasiva e demorada a mãe, a garota insistia:
- Cuida bem do Noi, tá mãe. Será que papai vai chorar também, se eu morrer?
- Carmem, já chega por hoje, esses assuntos não são para crianças.
Como num ritual de despedida, já que a noite se aproximava, Carmem beijou seus quatro irmãos com ternura, e foi para seu quarto. Duas horas mais tarde, sua mãe a encontra som os pés no chão, caída sobre a cama de costas, desfalecida. Numa atitude maternal, tomou-a nos braços, incrédula da situação.
- Carmem!!!
O grito desesperado, saiu entre imagens, vozes de tudo o que a garota relatara nos três anos anteriores, como num cinematógrafo, uma história em frames, nervos em frangalhos. Até os pássaros acordaram no desespero materno. A luz da lamparina escureceu. O mundo ficou mudo. O céu ganhava mais uma estrelinha. Lá fora o vento frio de um novembro atípico, cochichava com as arvores.
- Carmem... Carmem... Carmem...