Sociologia

- Que dia é hoje? – ele perguntou a garota no assento ao lado no ônibus.

Ela o olhou sem saber ao certo o que dizer, mas sabia qual era a reposta, só não sabia o que dizer porque estranhos dentro de ônibus raramente se falam, melhor dizendo, nunca se falam. Conversar com alguém estranho nesses tempos modernos é algo absurdo, na era da comunicação é ultrapassado conversar com alguém que não esteja do outro lado da tela, ou não seja um rosto bonito num site qualquer de relacionamento.

Ela finalmente respondeu:

- Hoje é quinta-feira.

- Obrigado.

Virou-se para o lado e abriu um livro qualquer numa página qualquer. Era um intelectual. Era? Mesmo? Nem ele ao certo sabia se era, mas se enquadrava nos parâmetros, cabia perfeitamente no bolso dos intelectuais. Jovem, magro, cabelos assanhados, visual estranho, roupas coloridas de alguma grife do shopping, um livro nem muito grosso nem muito fino, no ponto, ao dente e com azeite, pra dar sabor. Era tudo isso e muito menos, era tão oco quanto os programas que assistia na tv cultura. Não que os programas sejam ocos, mas não são realmente intelectualizados, são apenas apresentadores e platéia, apenas geração de capital. Nada além disso.

Ilusão intelectual ele era, dizia que estudava o fenômeno moderno da dinâmica de relacionamento interpessoal ocasionado do contato de dois seres alienígenas num ambiente comum, traduzindo para os leigos, ele simplesmente via o que acontecia quando dois estranhos se falavam num ambiente corriqueiro. Mania de intelectual de complicar tudo o que existe. Essa foi a experiência dele com aquela simples pergunta à garota do lado, ele queria saber como ela reagiria, queria entender o que se passava pela cabeça de alguém que era abordado da forma que ele a abordou. Por isso abriu o livro, para anotar os resultados da pesquisa, abriu o livro para poder meditar sobre o fenômeno...bla bla bla... que tinha ocorrido agora pouco.

- Porque você quer saber que dia é hoje? – foi a segunda resposta da pergunta mal formulada.

Ele parou e olhou para ela, meio assustado e meio tenso, sem saber ao que dizer. Objetos de estudo não podem ter contato direto com o experimentador, isso pode destruir o distanciamento que o pesquisador precisa para não se envolver com o objeto estudado, pois uma aproximação pode estragar todos os rumos científicos da análise, pode acabar por dar um caráter tendencioso ou não objetivo. Mas a ciência de hoje aceita esse lado da pesquisa porque sabe que todo e qualquer indivíduo coloca um pouco de si naquilo que produz. Nossa como ela é inteligente não? Levou quase seis milênios para descobrir isso. Mas aí a ciência justifica que essa conclusão só poderia ser tirada nos tempos modernos, pois somente nesse período que vivemos abandonamos boa parte das características grupais para vivermos mais o sujeito, o indivíduo, e só assim pudemos observar tal fato. E o que ela dirá daqui há quarenta anos? A mesma leseira de sempre.

Ele se levantou assustado com o livro contra o peito, pediu parada apressadamente, desceu correndo sem olhar para trás, ela podia estar o observando, ela poderia descobrir sobre sua pesquisa e isso destruiria tudo o que ele estava projetando. Nada disso poderia ocorrer, nada poderia estragar seu grande futuro acadêmico, nada poderia fazer que essa grande descoberta que estava por vir fosse estragada por um ser humano, eles sempre estragam tudo, nem como objeto de pesquisa servem mais. Pra onde esse mundo vai? Onde ele vai parar dessa forma? Se os únicos instrumentos subjetivos que existem já não servem mais como serviam há algumas décadas.