Um visão da tarde

Tocando rápido e vigoroso, com muita vontade de deixar ecoar todos os sons do mundo ele se perdia pelo dia adentro, fazia música como quem respira ou toma uma garrafa de vinho, de forma natural. Seu instrumento é percurssivo, ritmado nas batidas de seu coração. Que não bate muito bem por sinal graças a um defeito congênito.

Garoto, dizia o médico naquela tarde, você não pode continuar nesse ritmo que vem levando a vida, vai acabar se destruindo, vai morrer por causa de uma ataque cardíaco.

Mas ele nunca deu atenção pra esses avisos, fazer som com sua banda sempre foi mais importante que uma doençazinha de nada. O que é um ataque cardíaco perto de um mosh ou de uma roda de polgo? Nada, simplesmente nada. Viver é mais importante que tudo.

Meu filho para de fazer barulho que eu e seu pai queremos assistir o Jornal Nacional! dizia aquela que colocou ele no mundo. Quer dizer, tinha adotado ele, mas o nosso músico não sabia disso, nem nunca saberia. Com certeza.

A virada mais bela e bem executada que alguém poderia fazer foi realizada naquele instante, naquele brilho eterno de um corpo sem saúde.

Quatro da tarde. Motivo do óbito: Ataque cardíaco fulminante. Estado do paciente: muito esquisito, segura fortemente duas baquetas e mantém no rosto uma expressão estranha de felicidade.