Lembranças de Gisela
de Edson Gonçalves Ferreira
para Gisela Grabe (in memoriam) e para Celina Figueiredo
Conheci Dona Gisela num coquetel luxuoso no Divinópolis Clube. Todo mundo concebe, então, que foi em Divinópolis. Ela tomava champagne e reclamava da qualidade e, aí, então, briguei com ela, porque ela era alemã e tinha que valorizar as nossas coisas. Encantada com a minha sinceridade, tornou-se minha amiga. Comungávamos o amor pelas Belas-Artes e, então, tornamo-nos inseparáveis.
Eu um jovem sonhador de 24 anos de amor, como diz aquela bela música "As velas do Mucuripe" e ela, uma senhora já mais vivida. Chegara em Divinópolis, no meio da Segunda Guerra Mundial e, depois, viera seu esposo Dieter. O engraçado é que ele se tornou amigo do meu pai e, depois, quando se separou de Dona Gisela, voltou para a Alemanha, aí, mais tarde, tornei-me amigo dela.
Todas as noites, eu ia me encontrar com Dona Gisela, tomar chá, comer as deliciosas tortas de maçã que ela fazia para mim. E, ali, eu me encontrava com seus filhos Peter e Sebastian. Os dois sempre moraram fora. São pessoas finas, cultas, admiráveis. Tornei-me o melhor amigo dela. Certa vez, adoecendo, ficou na porta do Santuário, esperando a missa terminar, com a Glorinha Lara para que, depois, eu a levasse ao médico.
Dona Gisela era brava, muito brava. Colocava os clássicos e nós ficávamos mudos, escutando a melodia entrar na pele e na nossa alma. Chegamos a fazer sessões fantásticas e algumas delas aconteceu na casa de Dr. Carlos e Gunilla Pfeifer. É claro que a amiga Rosali Kunz também estava presente. Ouvíamos todos os clássicos: Bach, Bethoveen, Mahler, Brahms, Mendelssohn, Tchaikovsky, Mozart.
Dona Gisela detestava valsas. Não podia nem ouvir o nome de Straus.
Em compensação, suas análises dos compositores clássicos faziam a gente levitar.
Certo dia, convidei-a, como sempre o fazia, para ir ao cinema. Ela me encontraria no cinema. O filme, contudo, não ia ser passado. Subi para a casa dela a fim de avisar. Quando cheguei, a casa estava toda aberta e, então, gritei a Glorinha, que morava perto. Quando entramos, ouvimos o barulho de gente correndo, fugindo. Chamamos a polícia. Dona Gisela chegou e não acreditou que tudo que fora roubado seria recuperado. Eu tentava convencê-la, mas nada. Alguns dias depois, ela foi chamada na Delegacia, porque a polícia prendera os ladrões e recuperara todos os bens, inclusive o nosso precioso som.
Hoje, quando ouço música clássica, em alto e sonoro som, para que os "pianos" fiquem bem audíveis, lembro-me de Dona Gisela, a
dama que veio da Alemanha e alegrou a minha juventude. Recordo, perfeitamente, dos cabelos dela, nunca brancos, mas pintados de vermelhos, azuis, rosas. Era uma mulher linda! Não a conheci jovem. Nunca vi um retrato dela na juventude. Mas era uma mulher fantástica e, hoje, falando nela, lembro-me de Celina Figueiredo, uma das poetisas do Recanto das Letras que, também, é uma lição de vida e uma mulher fantástica. Um beijo para as duas, duas rosas da humanidade.
Divinópolis, 18.02.08