Complô de anjos caídos
Minha querida amiga, hoje especialmente acordei com muitas saudades de você. Pus-me a remexer em nossas lembranças e encontrei uma cópia daquela carta de amor, juntas a guardamos em minha casa, como um documento histórico de uma passagem importante da sua vida. Eu, sua confidente e conselheira, sofri e chorei a sua dor de ter perdido o grande amor da sua vida, pelo fato de não compreender que só você soube respeitar uma amizade, a outra (prefiro não citar o nome) jamais jogaria limpo, o tempo nos mostrou isso. Alguém contestou comigo dizendo que ela é um anjo, sim, acrescentei, pode ser, mas, caído! Desejo registrar essa carta, pois, a nossa boa memória, proporcionou a escrita da mesma, na íntegra!
Querida, há algum tempo atrás, nós éramos amigos, e o sentimento que nos unia era apenas de amigos.
Mas com a nossa separação, os meus sentimentos em relação a você mudaram completamente, Já não posso ficar um minuto sem pensar em você. Então lhe peço querida, que seja a minha mocinha a minha namorada.
Espero atenciosamente, Fábio.
Como você leu essa carta! Passou noites inteiras sem dormir, lendo-a e relendo-a, mas por receio de vê-la destruída, por sua mãe que não queria vê-los juntos, pedi a uma suposta amiga nossa para guardá-la em casa dela. No entanto, a jovem que de amiga não tinha nada, mostrou a carta tão amada, para o seu querido, como se de fato você não tivesse dado importância para a mesma e quisesse destruí-la. Foram muitos os que ficaram contra o tímido namoro de vocês e construíram histórias mirabolantes, para que não pudessem ficar juntos.
Ele efetivamente era o jovem mais bonito do lugar. Amado, querido, desejado...
Lembro-me perfeitamente do moço que era o seu melhor amigo e que armou uma tremenda armadilha para você e o Fábio, ele e a donzela apaixonada que se descabelava e chorava no intuito de fazer você abandonar o seu amado, inclusive com ameaças de suicídio. O moço e a donzela criaram uma história bem convincente a respeito de Fábio, afirmando categoricamente uma suposta traição; pura invenção de duas mentes diabólicas e apaixonadas pela mesma pessoa...Sim, de fato, o moço não era tão moço assim...E nem tão inocente; era na verdade, um homossexual, apaixonado pelo seu querido namorado, que nem desconfiava da ardente paixão contida, disfarçada de amizade que o jovem nutria por ele.
Você ao contrário, era uma menina pura e ingênua, acreditava nas pessoas, era romântica e cheia de amor. Não esse amor de recompensas, de interesses vis, mas um amor verdadeiro, desinteressado, cheio do desejo de ver o outro sempre feliz. Mas de tão inocente, deixou-se ludibriar pelos dois falsos amigos, ela a chorar prometendo suicídio, ele a difamar o seu amor com afirmações de traições e outras coisas do gênero. Terminar o seu namoro naquele instante era mesmo o objetivo do casal. Em sua casa, a carta do término foi escrita e o moço apaixonado levou-a ao seu destino. Você naquele momento pôs fim ao relacionamento, pelo qual choraria doravante pelo resto da vida.
Lembro-me de quando me falavas dele. Seu olhar brilhava, as palavras saiam como que encantadas e tudo ficava mais bonito. Eu era a sua confidente, amiga de todas as horas. Acompanhei seu drama por longos anos, durante os seus fracassados casamentos, e o sofrimento ao ver ao lado dele a vampira que lhe sugava as energias e o envolvia em mentiras e lagrimas, cercando-o de todas as mordomias. Ele achando que você não mais o queria, também passou a suspirar, a sonhar e desejar que fosse dele um dia. Lutou muito para isso, mas você covarde, preferiu viver no anonimato, curtindo esse amor sozinha, olhando-o de longe sabendo de todos os seus passos...Que agonia! E apesar dele ter recebido de presente de aniversário, um presentinho enfeitiçado pela vampirinha,não deixou de sentir o desejo de tê-la e cantar para você aquela melodia...
Os anos se passaram, muitos anos. Fábio envelheceu assim como você e eu. Hoje de cabelos brancos e rugas no rosto, ainda os vejo nas festas, os mesmos olhares de outrora. O dele procurando o seu e vice-versa. A música fazendo lembrar momentos vividos, e por cima do ombro dos parceiros durante a dança, o namoro emergindo sem que ninguém perceba a cumplicidade que os anos ajudou a formar. A lembrança do beijo roubado, do olhar carinhoso, do desejo de ter sido de fato verdadeiros namorados ainda é a força que os amparam nas noites vazias.
Na vida triste e solitária em que vive, sim, porque nada preenche esse espaço, mesmo sem tê-lo ao seu lado, nem sequer tocá-lo, sem senti-lo fisicamente, você vivencia o amor em forma de energia que transcende a razão...Mas não compreendo essa sua situação!
Acompanhei todos os seus passos, conheci suas angústias, desejos, renúncia e conformismo...E mesmo assim, não aceito sua omissão em esconder do Fábio, a verdadeira razão da separação física, embora eu ouça sempre você sustentar que, o verdadeiro amor transcende a matéria. Desejo, no entanto, estar viva para observar a concretização de um sonho que embora sofrido, vivido na solidão e no prazer criado pela imaginação merece ser vivido intensamente na esfera física... Sou testemunha e cúmplice de um amor proibido por suas próprias limitações.
Hoje depois de longos anos, velhos e com filhos, a vampira e o misterioso moço, ainda ligados por segredos, vivem a confabular, pensando que alcançaram os objetivos sem ao menos desconfiarem de que mudaram o curso do rio, porém ele continua o mesmo, apesar de ter- se misturado a tantas águas de tantos outros rios...Enigmas! O vampirismo é uma realidade, e você minha amiga, uma grande criatura com tendência a mártir, uma Madalena arrependida do que não fez. Será agora muito tarde? Creio que não... Vale a pena ainda tentar transformar o sonho em realidade.