Cenas do cotidiano
Cenas do cotidiano
Era seu último dia de férias e Ubaldo apesar de ter passado o seu penúltimo, dentro de um hospital, não fazia idéia do que aquela sexta-feira lhe reservara. Só para vocês terem uma idéia, Ubaldo ficou das 7 da manhã até as quase 10 da noite por conta de seu amigo que havia tomado um porre. E era um porre daqueles em que o cidadão não consegue distinguir se uma freira está fantasiada de Batman, ou se o Batman está disfarçado de freira.
Aquela entidade em que Cipriano se transformara mais lembrava um andarilho, um mendigo ou algo parecido. O cheiro que exalava dava para se sentir de longe. Uma mistura de suor, mijo, cachaça e vômito, pois estava tão mal que vomitou em cima de si próprio. Seus olhos estavam vidrados, sem horizonte, sem rumo e sem vida. Sua pressão...pressão? Ele quase nem a tinha mais. Ela foi medida e constatou-se seis por zero. Seus batimentos cardíacos iam bem, a quase 180 por minuto e seu corpo gelado como o de um defunto. Mas lá estava Ubaldo, firme como uma gelatina e quase tão solidário quanto a vinte anos atrás, desde que esta sua sina tornou-se rotineira em sua vida.
Porém, Ubaldo ainda decidido a aproveitar seu último dia de férias entrou em seu carro e partiu rumo a cidade vizinha com o intuito de se divertir. Iria saborear uma pizza, tomar uns chopps, presentear-se com um DVD e depois assistir um filme. Mas após beber uns cinco chopps, comer uma pizza e tomar uma caipirinha, resolveu ligar. E é a partir daí que começa o seu pesadelo. Para sua não surpresa, seu amigo já havia aprontado novamente, e encontrava-se ainda pior do que quando o havia deixado. A mãe de Cipriano, Dona Nilda não hesitou e pediu para que ele a socorresse naquele momento difícil. Ubaldo não titubeou. Infelizmente nessas horas seu coração falava mais alto. E lá foi ele, puto dentro das calças, mas sem tirar o corpo fora. No caminho de volta começou a sentir umas dores estranhas na barriga e um certo mal estar. Mas não ligou muito pois parecia uma coisa passageira, e era mesmo, pelo menos naquele instante.
Cipriano estava pálido, suando frio, e não conseguia sequer aguentar seu próprio corpo. Ubaldo resolveu chamar um vizinho para ajudá-lo na dura tarefa de descer as escadas e colocar seu amigo dentro do carro para levá-lo ao hospital. Lá chegando um enfermeiro mediu sua pressão e seus batimentos, e como no dia anterior, sua pressão estava baixa e os batimentos em polvorosa. Logo lhe aplicaram um sossega leão e o colocaram também no soro. Ubaldo foi a recepção e marcou uma consulta para seu amigo, pois sua intenção era tentar um encaminhamento pra que pudesse interná-lo numa clínica para dependentes químicos.
Cipriano neste instante tinha seus sinais vitais estabilizados e dormia o sono dos justos e dos bêbados, o que fez com que Ubaldo resolvesse tomar mais um chopp para poder relaxar após o susto que seu amigo novamente lhe dera em tão pouco tempo. Atravessou a rua e avistou mais adiante o bar que lhe serviria o tão sonhado chopp com bolinho de bacalhau ( especialidade da casa). Sentou-se a mesa e logo o garçom veio lhe mostrar o cardápio. Ubaldo nem quis olhar e já foi pedindo o apetitoso tira-gosto acompanhado de um chopp super gelado. Enquanto esperava ele viajava em suas cantilenas diárias e por seus pensamentos mais preciosos e também inúteis. Até que foi tomado por uma visão dos deuses, eram os bolinhos e o chopp sendo depositados em sua mesa. Saboreou os dois primeiros e foi logo pedindo bis, afinal de contas era seu último dia de férias. E após devorar a segunda remessa de bolinhos e chopps, Ubaldo partiu para a ignorância e pediu logo uma porção dobrada, acompanhada a essa altura do quarto chopp. De repente uma pontada e Ubaldo paralisado tentando entender o que estava acontecendo. Aquela dorzinha que ele sentira quando estava na estrada, havia voltado acompanhada de cólicas e um rebuliço no estômago mais parecido com as contrações de um vulcão prestes a expelir seus gases e lavas numa forte manifestação de protesto.
Fechada a conta, nosso amigo rapidamente voltou ao hospital por dois motivos: resolver a situação do vulcão que se instalara em suas entranhas e também ver se já havia chegado a vez de Cipriano ser atendido. Mas ainda haviam duas pessoas aguardando para serem atendidas na sua frente. Não se aguentando mais correu até a recepção e perguntou onde era o banheiro, o que para seu desespero ficava no fim do corredor, depois que ele virasse a direita e passasse pela sala onde ficam as pacientes grávidas. Ubaldo saiu em disparada e para seu azar o banheiro que lhe fora indicado estava em manuntenção. Ubaldo estava começando a ficar meio amarelado. Correu com as pernas grudadas uma na outra como se estivesse com medo de que alguma coisa lhe escorresse perna abaixo, porém, valente que era, voltou e pediu urgentemente que lhe informassem onde ficava um outro banheiro. Saiu em disparada como se fosse um velocista, mas correndo como um atleta da marcha olímpica (aquele estilo em que o atleta quer correr, mas, parece que está com vontade de cagar) exatamente como estava Ubaldo.
Já desabotoando a calça e soltando o cinto foi abrir a porta e...adivinhem? Brincadeira! Ela estava aberta para o alívio de Ubaldo, que sem pestanejar jogou-se ao vaso e em êxtase deixou jorrar toda a sua tensão até ser envolvido por um misto de paz e serenidade. Momento este que foi interrompido por uma simples, porém, preocupante razão, não havia sequer um mísero pedacinho de papel higiênico no banheiro. Ubaldo nervoso, pensava, pensava, até que de repente uma luz. Duas folhas que estavam em seu bolso indicando os procedimentos a serem tomados para que Cipriano pudesse ser internado numa clínica. Mas que de quase nada adiantaram devido a grandeza expelida pelo vulcão “Ubaldo”. Foi aí que ele resolveu apelar para a carteira de trabalho de Cipriano, pois quase intacta, talvez esperasse por esse dia: Ser usada como papel higiênico. Um sonho que certamente todas as carteiras de trabalho existentes neste mundo totalmente globalizado um dia esperam poder realizar.
Ubaldo havia resolvido seu problema quando uma insistente e indesejada cólica voltou a infernizar o seu ex-bendito último dia de férias. Então precavido, sentou-se novamente e ficou a esperar pelos acontecimentos. Pela janela Ubaldo pode constatar que o dia já estava virando noite e que pela aflição da maçaneta, alguém queria usar o banheiro. Ubaldo manteve-se em calma absoluta apesar de estar apreensivo, pois ainda não tinha a certeza se realmente era chegada a hora de abandonar o barco...digo: o vaso sanitário. E escutou! Tem alguém aí? Perguntou a voz feminina do lado de fora. Ubaldo prontamente respondeu apesar das fortes cólicas. Têm! Vai demorar? Perguntou a voz nervosa e transtornada por aquela situação inesperada. Ubaldo apesar de chateado, respondeu com toda certeza...lembrando aqueles programas do Sílvio Santos...Simmmmmm!! Do outro lado pode-se constatar o tamanho e a grandiosidade do desespero quando a mulher soltou um sonoro e engraçado...MEU DEUS!! MISERICÓRDIA!! Foi nesse instante que apesar das cólicas, Ubaldo podê vivenciar literalmente falando, a expressão...“CAGANDO DE RIR”.