Túnel do tempo

Túnel do Tempo

Era menina de tranças, brincadeiras mil, cantigas de roda, bola de meia, banhos de rios e de cachoeiras, de caminhadas pelas serras em busca de bromélias e araçás; era menina inocente, cheia de vida, contente, crente em Deus e na gente daquele pequeno lugar. Era feliz, andava pelas ruas perfumadas de jasmim, olhava as estrelas reluzentes e sonhava com um amor efervescente que certamente não tardaria a chegar. Sonhava, sonhava...

E aconteceu muito antes do que esperava. Era noite de São João, a festa no colégio estava animada. Chovia fogos, e balões enfeitavam os salões e pátios. A música era convidativa, forró gostoso, chamativo...Pé de serra!

Ele estava lá, lindo, elegante bem diferente dos garotos que eu estava acostumada a lidar. O meu coração batia forte, mal conseguia respirar. As pessoas dançavam sofregadamente sob o aroma das comidas típicas que ornamentavam as mesas e enchiam o ar fresco de tempo chuvoso, na minha pequenina cidade.E, foi sob essa atmosfera, que eu comecei a sentir a vontade de namorar e me apaixonar.

Fiquei assim parada extasiada, a olhar aquele deus negro disputado pelas moças donzelas da sociedade preparadas para casar. De repente o seu olhar penetrante cruzou com o meu e por um momento somente eu senti meu corpo fervilhar, que emoção! A festa terminou, voltei para casa, sonhando acordada com aquele príncipe que eu tanto desejava.

O príncipe partiu para estudar fora, foi para a capital do estado. Passei anos sem vê-lo, mas aquele olhar não esqueci jamais. Pensava nele todos os dias e no meu coração a sua imagem eu costumava guardar em segredo.

Ao retornar para a cidadezinha anos após, eu ainda continuava a ama-lo em silêncio, mas, preferi esconder esse sentimento. Ele costumava a olhar-me demoradamente e a seguir meus movimentos. Nada dizia, só olhava... E eu ficava vendo-o ao longe, curtindo a sua presença, feliz por respirar o mesmo ar. Contentava-me com tão pouco! Quanta ingenuidade e pureza! Sentia-o no cheiro da terra molhada, no perfume das flores, no cantar dos pássaros, na música, na magia do luar; sentia-o dentro de mim, e durante as minhas orações, a sua presença era vital, prana que vivificava o meu ser, quem sabe uma obsessão? Às vezes eu não entendia porque me comportava dessa forma e porque ele também não se aproximava.

O tempo passou, já não era mais uma menina, com outros namorei, mas dele não me esqueci. Lia revistas de fotonovelas e imaginava sendo um daqueles personagens; assim ia vivendo naquela cidadezinha, no interior da Bahia, bem distante da capital, que eu também não conhecia.

Passei a frequentar os mesmos lugares que o meu deus grego frequentava: praças, igreja, festinhas... E, durante essa perseguição, consegui finalmente chamar-lhe atenção. Fui a sua namorada por breve tempo, mas não achei a menor graça concretizar o meu sonho, e o fiz ir embora sem demora para não perder o encanto dos momentos eternos, dos beijos eletrizantes, afagos suavizantes, desejo latente, palpitante...O mito não poderia acabar, o sonho deveria continuar, para num futuro quem sabe? Se concretizar em novas emoções.

Casei-me, com outro rapaz, mas levei comigo todas as lembranças desse amor contido idealizado para ser sentido e não vivido em sua plenitude. Traição ao meu marido? Não sei...Só sei que guardei na lembrança o meu segredo, meu tesouro escondido e isso me fez sentir-me diferente. A magia perdurou por longos anos; os nossos olhares sempre se encontrando, o amor platônico vencendo o tempo...Não acabou o encanto! A magia perpetuou o amor, as almas se unem num encontro peculiar onde só elas podem estar, no recôndito do ser. E, as palavras foram sendo transmitidas no silêncio, pois, a renúncia física não sepultou o sentimento, ficou mais gostoso amar assim.

Hoje maduros, sem o vigor da juventude, ainda somos os velhos amantes subjetivos, aspirantes por uma entrega maior! Amantes na imaginação, na criação de formas, na vivência de uma história, que não se enquadra nos padrões normais, aliás, não somos normais mesmo...

O cotidiano não matará o sonho e o real nos conduzirá ao ato final desse caso de amor indissolúvel; chegaremos finalmente ao êxtase, ao orgasmo contido num labirinto de emoções, fantasias, fusão e ebulição, consumação certamente! O mito será rememorado, revitalizado eternamente!