Amizade

Há algo em nossas vidas, na verdade, há muitas coisas nelas. Coisas diversas e surpreendentes que para alguns podem soar estranhas e débeis, mas são das nossas vidas, por isso não importa como são, o que importa é que sejam nossas.

Talvez, tudo comece com a amizade. Explicá-la é algo infindável e que em cada novo exemplo recompõem-se e de nova explicação irá precisar. Então, para fugir desse ciclo interminável e sedutor, foram escolhidos cinco garotos. Magrelos, bagunceiros e amigos, essa é a parte principal. Eram vizinhos desde pequenos e ainda no colo foram apresentados e unidos. As próprias mães foram responsáveis por costurar as vidas dos pequenos e, pelo que parece, colaram os seus corações. Desde o encontro vazio e sem objetivo dos bebês, as coisas não mudaram, apenas aumentaram e aproximaram-se. Foram carregados, os coitados, engatinharam, tropeçaram, andaram, correram e seguiram pedalando, juntos. Os meninos cresceram dividindo brincadeiras irresponsáveis, brigas bobas, sorrisos cúmplices e tudo o que havia em suas vidas.

As bicicletas atravessaram a rua, de um lado a outro, sem parar e algumas dezenas de vezes. Havia um sol cabisbaixo, sem companhia em um céu nublado, suicida, pronto para pular. “Vocês estão calados hoje”, Pedro disse enquanto dobrava a rua para cruzá-la outra vez. Apenas recebeu dois pares de olhares velados como resposta, espantou com esforço trêmulo suas perturbadoras suspeitas e acelerou para alcançá-los. Ficaram na rua até o último minuto que suas mães permitiram. Despediram-se com desânimo e um sentimento rodopiante, afiado e invisível, algo diferente e permanente, estranhamente triste.

O outro sol emergiu do abismo, ganhou o mundo dos homens e fingiu sorrir quando ganhou a superfície, precisava estar feliz, só assim atrairia mais um dia. Havia quatro, faltavam uma bicicleta e uma porção do céu. O mundo não estava menor, mas estava desequilibrado, torto, como se lhe faltasse o brilho dos olhos. Entreolharam-se, como se já soubessem que passariam por aquilo algum dia. O sentimento que antes era triste tornou-se dor avermelhada e os torturava. Sentados na calçada, olhavam com melancolia recém conhecida para algum lugar que não estava ali, ainda não.

Tudo aconteceu descontroladamente, se alguém dirigia aquilo não era ele, era alguém distante que não se importava com sua dor e desprezava seus desejos. “O Pedro precisa de tratamento”, a branca mulher disse com falso ressentimento. Pedro olhou pelos cantos dos olhos pálidos e continuou imóvel. Seu pai mirava alguma coisa além da janela, como se não quisesse atribuir importância ao que estava acontecendo, mas seria inevitável. Depois daquela manhã, as coisas da vida mudaram e todas se tornaram medo, pequenas coisas medonhas encheram o coração do garoto. A doença engolia sua alegria e se alimentava do que havia de bom em suas lembranças. Transformou-o em um monstro rastejante, sem vida e com poucas vontades, queria desaparecer, perder-se em sua decadência e nunca mais voltar, não podia mais. Rasparam-lhe o cabelo, roubaram-lhe a força e só lhe davam promessas sem sol para se tornarem realidade. Voltou para casa, escondido de sua antiga vida, tinha vergonha.

A campainha tocou logo depois que ele se acomodou na cama. Eram os outros quatro. Eles entraram em silêncio enquanto, no quarto, Pedro se contorcia de insatisfação e medo, sabia que eram eles. A mãe abriu a porta com insegurança e os quatro, também de cabelos raspados, pularam na cama e abraçaram com força o amigo doente. Coisas da vida.

Fillipe Evangelista
Enviado por Fillipe Evangelista em 09/02/2008
Reeditado em 01/05/2008
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