CÊ ACHA QUE POR 5 REAIS VOU FALAR MAL DO MEU PAI?
- Seu Chico?
- Sim?
- É o Senhor que anda contando histórias de minha família?
- Sei não, primeiro careço saber de que família você é, mas só conto histórias misturadas, não entrego ninguém não, só conto o milagre, os santos eu embaralho tudo, cada um veste o santo que quiser com as minhas histórias...
- Eu sou da família Franco, das Fazendas Reunidas Serra Negra, Maratã e Volta Redonda de Minas e Paraná.
- Vixi, eu passei a maior parte da minha vida de labuta nestas Fazendas, nasci lá e lá me criei, só sai quando elas saíram das mãos dos Franco, mas você não parece com os Francos não...
- É que eu puxei mais pró lado do meu pai que tinha sangue alemão...
- Já sei o doto que ensinou os Franco a fazer horta e tinha uma penca de filhos home, do seu pai não tem história não, homem bão só, mesmo que tivesse não ia conta, com tantos filhos home ia me causa aborrecimento, não é?
- Calma seu Chico, não vim aqui prá tirar satisfação, só vim prá por no papel histórias de família, e foi o Izaltino do Quinzote da Dona Carmem, que me falou que você sabe de muitas histórias, pois você passou pelas três fazendas da família, não foi?
- Izartino,... ele que te mandou aqui?
- Sim...
- Pois é, então ele sabe mesmo que num entrego ninguém, não é?
- É Verdade...
- Você não é aquele menino que não queria mais vortá pra cidade, e que gostava muito dos passarinhos...
- Era eu mesmo, e que ficava te rodeando pra ouvi as suas maluquices e você dizer “oloquem” a toda hora lembra?
- Se me alembro? Eu passava por maluco, mas num era louco não, e a minha cabeça é melhor do que a da dona Glaucia, irmã da Dona Coralí do seu Calvino, você se lembra? Ela ganhou fama, pois nunca se esquecia de uma data de nascimento, bastava ouvir uma vez e podia passa mais de vinte anos que ela sabia quem tava fazendo aniversário naquele dia. Ela tinha na cabeça mais de três ou quatro pessoas por cada dia de ano.
- Tem até história tua aqui na mesa, esta dá pra conta o santo, pois você era criança, logo a história não tem peso, é aquela história do boi charolés...
- Ah! Seu Chico, aquela história você sabe que era maledicência do Seu Antônio, num sabe?
- Era e não era, não é?
- Ta bém seu Chico,... vou deixá o senhor conta só pra testar como está sua memória e vê o quanto o senhor é fiel aos fatos...
- Então, pode começa?
- Pera aí, vou ligar o gravador, o senhor não se importa não é?
- Importo não? Também não entrego ninguém, só conto os milagres, a santaiada fica embaraiada, misturo os luga com as datas, cada um veste seu santo com a história que quise...mas nessa história o santo principa tá aqui comigo e acho que não vai se importa, não é?
- Importo, não....
Tiro o gravador da pasta, ele se assusta com o tamanho do gravador que estava usando, quase que não acredita no que vê, era destes gravadores tipo caneta...
- isto aí grava mesmo?
- Grava seu Chico...
- Mas com isto aí o cê nem precisava me dizer que estava gravando, não é? Eu nunca ia percebe...
- Mas não seria muito honesto da minha parte, não é, seu Chico?
- É verdade, gostei disso...
Devagar ia ganhando a confiança do seu Chico, homem da lida na roça, passou pelas três fazendas, muito trabalhador, respeitador, de pouca conversa, fiel, supunham que meio abobalhado, mas tarde descobriram que este abobalhamento era meio de vida, para conseguir um trabalho mais maneiro junto a sede da fazenda. Eu pude descobrir também que este homem trazia consigo um arquivo intocável de histórias da família, que por elegância ou fidelidade ou por cuidados não revelava a origem, contava as histórias, mas protegia os personagens que ele chamava de “Santos”, embaralhando o tempo com os locais, acrescendo fatos fictícios e suprimindo outros que eram muito evidentes, mas mesmo com todo estes despistamentos a gente conseguia chegar perto da realidade, pois também éramos, todos, personagem das suas histórias.
- Então começa...
- Seu Antonio, administradô de confiança dos Franco, lá da Fazenda Maratã, além de muito trabalhadô, gostava de se divertir com as crianças, netas do seu Izartino, ele se encaixou direitinho na família Franco, pois era uma das natureza da família faze amolação com os fora que as crianças da cidade davam na roça...
Um dia, dia de marcação e castração, quando ajuntava muita gente, na lida com o gado, coisa que era diversão para todo mundo, ele separou um boi da raça charoleza, aquele boi tarracudo, branco, das europa, com cabelo cacheado e chamou o garoto branquinho filho do tal dotô, sangue de alemão, e perguntou:
- Garoto, dou cinco cruzeiros prá você me dize com quem se parece este touro.
O menino, acabrunhado e conhecedô da fama do seu Antonio quis escapa do confronto, ficou quieto...Seu Antônio não se deu por satisfeito, tirou os cinco cruzeiros da carteira e balançou na frente do menino.
- Vamo, seu menino, o dinheiro é seu é só dize, e você não vai ta mentindo, não é?
O menino percebendo que não tinha jeito de sair desta, disparou ....
- Tem dó, né seu Antônio, o Senhor acha que por cinco cruzeiros eu vou dizer que este boi se parece com meu pai?
- A pionada rolou no chão de tanto rir, Seu Antonio até lágrimas nos oio tinha, aquilo foi festa por muito tempo, o menino sem entender por que de tanto riso, ficou amuado no seu canto, só mais tarde foi entender a besteira que disse.
- Foi assim ou não seu moço...
- Foi e não foi né seu Chico... agora entendo por que sua fama de contador de histórias, o senhor bota umas pimentas no meio não é?
- É verdade, mas te dou um conselho, se você quisé que alguém leia suas histórias tem que fazê isto mesmo, se não, não tem graça nenhuma, e cuidado com os Santos, tem história que você tem que embaralhar bem os luga com as datas, prá não te traze muito aborrecimento, conforme o peso da história, não é? Os filhos quase nunca sabem as histórias dos pais, sabe as dos tios, mais dos pais nunca sabe, a não ser aquelas que caíram na boca do povo mesmo, escrachadas, então, esconde os santos, prá não arrumá confusão pro cê...
Ganhei confiança do homem, que me ofereceu café, que aceitei de pronto, adentrei a sua pequena casa de conjunto habitacional no subúrbio de Londrina. Na sala sofá de napa vermelha, com rasgos junto aos botões, duas cadeiras de fio azul, que desconfio era da varanda lá de casa, televisão a cores, som com muita interferência, que Chico resolve desligar, ainda bem. Grita para mulher:
- Coá um café prá nós.
Aí pergunto:
- E a história do burro Canário, você se lembra, seu Chico?
- E como havia de não me alembra, aquilo foi com seu irmão, aquele safado do Rui e seu Antônio, de novo.
E já começou a rolar história:
- Nas férias as patroas vinham prás Fazendas com as crianças,Seu Antônio gostava de fazer arrumação nos arredores da casa da sede, trazia a pionada do eito e punha a esticar os fios de arame que estavam soltos, trocavam os mourões podres, consertava o que estava estragado, empilhava lenha pró consumo da sede, ponha tudo no luga...Um dia já com a criançada na fazenda, resolveu dar uma repassada no arranjo e aí percebeu que alguém havia deixado uma carroça fora do lugar, e resolveu ele mesmo ajeitá-la, pondo-se no lugar do animal para pode movimenta a carroça, quando entre os latidos do cachorro Sheik pode ouvir uma vozinha de garoto:
- “Vamo Canário, ajeita Canário, afasta... afasta... vamo burro véio...
- Parou assustado e deu de cara com o menino Rui e pôs-se a correr atrás dele, que foi buscar proteção junto as mulheres da sede. Tinha alguns peões na sede que presenciaram o fato, mas tiverem que conte o riso, para não contrariá a autoridade do administradô, mas aquilo foi assunto prá muito tempo na fazenda. Não se sabe bem porque, mas o burro Canário foi prá lida de gado com nome trocado, pra Margoso, era aquele burro branco do seu Zé Falcão, lembra? E depois foi treinado outro prá função da carroça. E aí de alguém que se atrevesse a imitar Canário na Fazenda Maratã.
O café chegou, duas xícaras com cores e formatos diferentes, em cima de pires duralex bege, que me fez lembrar coisas da infância, mas o que me assustou realmente foi o olhar da senhora do seu Chico, parecia que olhava para mim, mas não olhava direto, mas mesmo assim deu para perceber o estrabismo, vi que me reconheceu, mas ficou quieta, eu também. Olhei pró Chico, vi que ele estava a me observar. Tomei meu café, ralo e adoçado com açúcar, estava mais pra xafé, igual ao da Tia Carmem. Será quem aprendeu com quem? Eva, tinha sido empregada da tia por muito tempo. Não precisava de apresentações, ela entrou quieta e saiu muda da sala.
Chico pos a responder as perguntas que eu não tinha feito:
- Pois é seu moço, casei com a Eva, depois de tudo que ela fêz pra mim. Hoje ela tá assim, surda, enxergando menos ainda. Serviu prá tira cria, deu uns meninos bons de serviços e melhor que os pais nas leituras, que prá nos era muito pouca.
Interrompo se Chico:
- Seu Chico,
- Esclareça-me uma coisa,
- Pois não!
- O que significava “o loquem”?
- A isto é quase uma história. Lá na Fazenda Maratã todos me achavam meio aloucado, não sem razão, então, quando eu via alguma coisa meio maluca que os outros faziam eu pensava com meus botões “ eu louco eihn”? Mas, dizia “oloqueim” alguns sabiam o que eu queria dizer e caiam na risada, mas os outros não sabiam, mas riam também, como fez sucesso eu repetia isso a torto e a direito.
- Seu Chico, esta história me fez lembrar de outra:
- Conta-se que aqui na região tinha um bobo que lhe ofereciam duas moedas para ele escolher uma, era uma moeda de 50 centavos e outra de 25 centavos, e ele escolhia pelo tamanho sempre pegava a de 25 centavos que era a maior, o pessoal sempre repetia a brincadeira para caçoar dele, até que um dia um amigo mais chegado o alertou, e ele respondeu:
- Ce é besta so! Você acha que não sei? Quando eu pegar a de 50 centavos eles param com a brincadeira...
Pergunto ao Seu Chico:
- Aqui não caberia um “oloqueim”?
Ele responde:
- Se fosse eu o idiota pensaria: eu bobo ein! Aí caberia “oboboeim”.
- Obrigado seu Chico.
- Não há de quê! Volte sempre, preciso de ouvidos novos para as minhas histórias velhas....