Duas Chances
“Duas chances”
Saio cedo de Barstow. I-15 North. O deserto de Mojave é quente. Sou eu mesmo, completamente livre. Média exata de 100 milhas por hora. Pego o vácuo de gigantescos trucks. A Dyna treme, balança, mas não cai. Pode parecer que a vastidão é solitária, mas não é. Há vida ali, muita. Ratos de rabo comprido. Um caracal trepado no cacto. E eu pensando na minha adolescência passada na Rua K. You’re just to good to be true.
Faltam 20 milhas, nada. Placa diz que só 10 milhas, nada. Uma curva, uma pedrona, um cartaz. Certeza que atrás dele, um carro de polícia. Diminuo o ritmo. Bingo! Vegas. A avenida principal é linda. The Strip. Desfilo imponente. Algumas motos se juntam à minha. Fico no motel ao lado da loja da Harley. Não sei o porquê, mas lembrei da Mariinha que morava do outro lado da rua, o sonho dela era a América. I can’t take my eyes off you.
Vou ao recém-inaugurado Bellagio. Lindo. Monumental. Estou de short e camiseta. Oferecem amendoim e champagne. Educadamente me apresentam os caça-níqueis e o blackjack. Não jogo. Não bebo. Só vinho, e do bom. Procuro um show. Está se apresentando o Cirque Du Soliel. Imperdível. Compro um córner. Cadeira ímpar de canto, como estou sozinho, é mais barato. A Mariinha era magrela da perna grossa, false maigre, diria meu pai. Todo mundo pegava ela, menos eu. I’d be like heaven to touch.
O espetáculo é algo indescritível. Nunca vi nada parecido. “La Nouba”. Saindo de lá passei no cassino. Eu estava agora com minha melhor roupa. Casaco de couro comprado em L.A., bota novinha e engraxada, camisa italiana fina. Idêntico tratamento cordial. Impressionante. Lembro direitinho quando vi a Mariinha dançando peladinha no chuveiro da casa dela, quase caí do telhado nesse dia. Oh, I wanna hold you so much.
Sem nada para fazer e ainda extasiado pela apresentação, vi uma turma agitadíssima. Era um bando de japoneses. Ricos, com máquinas fotográficas e bermudas de safári. Eles iam ao Club Paradise. Não é longe. Vou pela Boulevard - a The Strip - South e viro na Riviera, primeira esquina é ela, a Paradise Rd. Toda coberta de néon, azul na parte de baixo e rosa na de cima. É maior do que eu pensava. Como eu era louco pela Mariinha. At long last love has arrived.
Esse negócio de viajar 500 quilômetros por dia deixa o sujeito meio bitolado. Às vezes uma música - do Frankie Valli, com o Al Green- cola na cabeça e não sai. Então, merece uma diversão noturna. As mulheres são esplêndidas. Todas de topples. Nada de vulgaridades. Vestidos vaporosos com fendas generosas. Paguei U$ 30 boxes e ainda tive que estacionar de fora porque eu não deixo ninguém guiar minha moto. A luz é sensual e começa o show. Mariinha poderia estar ali. Como estou feliz. And I’m thank God I’m alive.
Os caras devem estar bobos. Ninguém toca nas meninas. Uma delas se aproxima, e rebola, daquele jeito, só brasileira. Coloco com a minha boca uma nota de 20 no decote dela. A galera explode em ovação. Eu animo.Ela sorri e faz come-baby, come-baby com o dedinho. Eu vou igual cachorrinho. E aí baixa o santo. Começa a tocar a versão de “Can’t take my eyes off you” da Gloria Gaynor. Já fiz muita coisa na vida, loucuras de verão. Mas, não tinha outro jeito. Subi no palco.
You're just too good to be true.
Can't take my eyes off you.
Pardon the way that I stare.
There's nothing else to compare.
The sight of you leaves me weak.
There are no words left to speak,
But if you feel like I feel,
Please let me know that it's real.
You're just too good to be true.
Can't take my eyes off you.
Gritando a plenos pulmões eu rebolava sem o menor pudor. Flashes espocavam das câmeras nipônicas. Joguei o casaco longe. E em mangas de camisa, apelei. Tava nos EUA mesmo...
- Gos-to-sa !
- Você é brasileiro?
- Mariinha?
- Johnny Boy?
Dançamos colados. Arranquei as plumas dela e coloquei na minha testa. Ela pegou minha gravata e fez um lacinho delicioso no pescoço. Chovia dinheiro no chão. A diretoria pegava tudo, nós agora sambávamos. Uma versão mais disco, do Gerard, René & Gordon bombava, da mesma música. Rei e rainha da sacanagem coroados num país de frouxos. I love you baby, and if is quite alright, I need you baby, to warm a lonely night.
Saímos. O flat dela era muito bonito. Clean. Velas na mesa. Ela foi fazer uma macarronada. Fui atrás. Não sei cozinhar, mas com uma saladinha criativa eu me defendo bem.
- Tem manga?
- Você não gostava era de bananas?
- Você ainda lembra?
- De tudo.
- Até no dia em que eu apanhei do Tonhão pra te defender?
- Achei lindo.
- Então por que não fez nada?
- Aí eu apanhava também.
- Espera um pouquinho que eu vou fazer uma surpresa.
Abriu um vinho. Era um Stag’s Leap Cask 23 safra 1973. Só posso dizer que era o melhor da Califórnia. I love you baby, trust in me when I say.
- Foi no ano em que nos conhecemos.
- Eu sei.
Minha boca ficou aberta, parada no ar, um minuto inteirinho. Ela colocou na vitrola Garrard com agulha shure a versão lentinha do Andy Abaham. Cantei junto com ela. Era a nossa música, indubitavelmente. E utilizando lenços e sedas mil foi tirando a roupa e vi que era ela a maravilhosa bailarina do show lá do Casino. A sombra do aquário cheio de peixes japoneses criava um clima ainda mais luxuriante. Ela não parou aí, foi tirando minha roupa toda e fazendo um strip-tease ao contrário. Vestida com minha jaqueta e do alto do meu coturno, estava perfeita. Eu? Só cantava.
- Oh pretty baby, don’t bring me down, I pray. Falei.
- Oh, pretty baby, now that I found you, stay. Retrucou ela.
Foi muito difícil beber o vinho, comer o spaghetti, com colher e garfo. Mais difícil foi partir logo cedo, sem ter dormido um milésimo de segundo sequer, o calor de Nevada é muito forte e acolhedor.
- Eu pensei que isso nunca aconteceria.
- Eu sempre achei que um dia nos encontraríamos novamente.
A vida nos dá sempre duas chances, o segredo é saber como aproveitá-las, para que essas oportunidades se repitam...
And let me love you, baby.
Let me love you…
JB Alencastro