O CARIMBO DE MINHA ENTRADA NO SEMINÁRIO

Depois de um ano de seca, voltou a chover. Foi um ano muito ruim e difícil, aquele de 1958. O único momento de alegria, fora a vitória do brasil na cópa da Suécia, embora só tenha tomado conhecimento muito depois. Não havia rádio na fazenda. O governo mandava feijão preto para o povo. No inicio gostávamos muito, mas depois abusamos. Aqueles dias secos de poeira solta estavam terminando e a chuva caída fazia nascer babugem verde nos cercados. Os espaços em volta da casa, estavam pintados. Tudo verdinho. Naquele ano eu concluiria o primário.
Um dia escutei minha professora falando com mamãe, a meu respeito:
- Ele é muito inteligente, dona Amélia. Vale a pena mandá-lo estudar fora. Fiquei de orelha em pé. No dia seguinte, mamãe me perguntou se eu gostaria de ir estudar em Mossoró. Ela me falou que poderia mandar uma carta para minha madrinha Nadir. Eu topei a parada. A carta foi feita.
Passados alguns dias, chega uma carta do correio. Minha madrinha concordava e ao mesmo tempo informava que estava programando a ida de seu filho para o seminário e que, se mamãe quisesse, eu também poderia ir. Eram padres holandeses e o ensino era muito bom e a disciplina muito rígida. Mamãe achou muito boa a idéia e respondeu a carta, confirmando. Minha cabeça estava cheia de abelhas zoando. Poucos dias depois, mamãe recebia um papel com a relação do meu enxoval de seminarista. Pela primeira vez, vi as atenções si dirigirem para mim, na fazenda.
Meu tio José Caetano seria o companheiro na viagem para Mossoró. Quando faltavam dois dias para a partida, a ficha começava a cair. Como eu ia deixar minha vidinha boa na fazenda? Os banhos de açude. As colheitas de mangas e bananas maçãs maduras. E minha juriti? Quem iria cuidar dela? E a saudade? Mas não dava mais para desistir. Já estava tudo pronto. Agora era ir ou ir.
No dia seguinte eu seguia viagem, montado no jumento capricho, no meio de dois caçuás. O jumento caminhava devagar pelo caminho bordado de mato verde no baldo do açude. Meus olhos ainda não se desgrudaram da casa branca, do alpendre e da gaiola da minha juriti. Ao chegarmos na cidade próxima, nos dirigimos logo para a estação. José Caetano retirou minha mala de madeira vermelha do caçuá. Depois se dirigiu ao guichê para comprar as passagens. Tudo era novo para mim.
O apito chorado da Maria fumaça me fazia chorar também. Parece que eu escutava aquele apito plangente dentro do meu coração. Seguimos viagem. Patu, Caraúbas e Governador. Por fim Mossoró. José Caetano sempre à frente, levando minha mala vermelha numa de suas mãos, com a outra segurava minha mão.
- "Me acompanhe". Eu seguia seus passos, colado. Ele era meu companheiro, meu tutor e meu único amigo, naquele momento de estranheza. A casa da minha madrinha ficava em frente a igreja que serviu de trincheira no ataque de Lampião. Fomos muito bem recebidos. Contudo, eu estava triste, confuso e encabulado. Muitos pensamentos faziam redemoinho na minha mente de criança. Conheci meus primos Edna, Eduardo, Dinorá e Eudes. Ele seria meu colega de seminário.
- Quinta-feira à tarde vocês irão fazer o exame preliminar, no seminário. Falou minha madrinha. Aquelas duas noites demoraram uma eternidade. Meu padrinho possuía uma lambreta italiana, cuja buzina era uma sineta que ele tocava com o pé. Mas não deu para nos levar. Fomos de táxi. Vi os três prédios iguais na praça do Congresso, que compunham a estrutura do Seminário. Acho que foram tombados como patrimônio da cidade e da minha lembrança. Conheci o Padre Jaime, cujo nome em holandês, não lembro mais. Lembro do seu sotaque forte. As provas do exame preliminar constavam de todas as matérias seguidas, num único caderno. Li, fiz muitas contas, escrevi, respondi. Dois dias depois o resultado: Aprovado. Recebemos também a informação de que deveríamos voltar ao seminário em fevereiro, em definitivo.
Escrevi uma cartinha para minha mãe: Mamãe, minha bênção. Aqui tudo bem. Já fiz o exame preliminar no Seminário e fui aprovado. Voltaremos segunda-feira. Cuidado com minha juriti. Seu filho que lhe ama. Arnaud
Se o trem chora tristemente na vinda, de repente ele muda de fisionomia e começa a sorrir na volta. Em cada estação, um apito, um sorriso. Até o ultimo na estação da minha cidade. Como a chegada é diferente da partida!. Agora não éramos somente José Caetano e eu. Muitas pessoas vieram da fazenda. Juntaram-se a outras tantas da cidade. Fiquei meio acabrunhado com tanta gente. Era grande a recepção e a alegria. Todos ali para me receber e me cumprimentar pela aprovação. Muitas pessoas nos acompanharam até a fazenda. Houve muita festa. Mamãe preparara muita comida. Eu não sei quem estava mais alegre agora. Eu, os familiares ou minha juriti.
Minha entrada no seminário estava carimbada no calendário de minha vida.