Adorava o tempo
Adorava o tempo. Não aquele medido em segundos ou anos, mas o que relaciona graus Celsius, probabilidade de chuva e velocidade dos ventos. Ainda mais agora, com a chegada da estação mais fria do ano. Não sabia de onde viera tal obsessão pelas condições climáticas. Talvez herdara de seu pai – a quem nunca tivera a oportunidade de conhecer. Sua mãe conta que morreu subitamente, mas ele tinha dúvidas. Quem morre assim com trinta e poucos anos? pensava. Não importava mais. Afinal, estava lá justamente para escapar – mesmo por apenas um ano – do ambiente complicado de casa. Nunca se dera bem com os casos de sua mãe e o atual não fugia à regra. Felipe, o irmão, ainda era novo demais. Aceitava a influência do novo pai substituto e gostava de qualquer um que lhe comprasse um Playstation 2.
Era domingo de manhã e o céu estava encoberto. Nas ruas, a maioria das árvores já haviam perdido suas folhas. Um vento forte e cortante aumentava ainda mais a sensação de frio. Sentia-se sozinho. Não teria aula ou qualquer outra atividade relacionada ao curso naquele dia. Provavelmente passaria o dia inteiro enfiado sobre as cobertas na modesta casa de estudante onde morava. Entretanto, por causa da falta de comida para o café da manhã, Eduardo teve de contrariar seus planos iniciais e dar uma passada na delicatessen da esquina a fim de garantir seu desjejum.
Tão logo pôs seus pés na rua, avistou um casal vindo na direção contrária. Jovens, não deviam ter chegado à barreira dos 30. Apesar do zero grau, andavam tranqüilamente, abraçados. Tinham um sorriso constante estampado em seus rostos. Eduardo desviou o olhar e voltou a sentir solidão. Não aquela de meia hora atrás. Afinal, a sua não era uma família perfeita, mas eles se amavam. Sentia falta era de alguém para amar, do jeito que os dois faziam. Uma pessoa com quem contar nos bons e maus momentos, que o faça sorrir e alegre seus dias mais cinzentos.
Era gay, mas não tinha problemas com isso. O problema era encontrar um cara bacana, com interesses parecidos com os seus, idéias semelhantes. Fazia parte de uma minoria com cuja maioria não se identificava. Não era daqueles escandalosos, que chamam a atenção e cuja orientação sexual é evidente. Era um cara normal. Estava em Nova York pela faculdade, cursaria o ano no exterior. Chegara há dois meses e estava adorando a experiência estadunidense. Começava a fazer novas amizades e aprender a viver sozinho; ser independente, enfim.
Comprou sua pequena refeição e voltou para “casa”. Assim que abriu a porta, ouviu o telefone tocar e correu para atendê-lo. Era Heath, seu colega de classe. Cara bacana, na dele. Estranhou o dia e a hora, porém gostou da ligação. Bateram um papo surpreendentemente agradável, sem a pressão que costumava sentir quando conversava com outro homem. Sentia-se intimidado, ainda mais se tratando de alguém tão gato quanto Heath. Enquanto a conversa dos dois se desenvolvia, Eduardo passou a pensar nele de outra maneira. Será que ele é? Não havia tocado no assunto ainda: namorada, rolos ou qualquer outra coisa que deixasse claro a heterossexualidade dele. Quantas vezes já havia se enganado! Agora ria dessas histórias, mas realmente passara por maus bocados na infeliz tentativa de descobrir a sexualidade de outrem. Esses héteros estão cada vez mais gays, pensava. Não queria cometer esse erro primário novamente, não com Heath.
Não sonhava com um “príncipe encantado” ou alguém perfeito para passar o resto da vida junto. Bom mesmo era aproveitar o momento, seguir a máxima arcadista “Carpe Diem”. Talvez por isso não carregasse mágoa de seus relacionamentos passados. Acabou quando para acabar, quando todo aquele entusiasmo do começo já era história.
Após sua análise transcendental, Eduardo tomou a coragem necessária e o convidou para sair. Afinal, trocar idéias sobre a política econômica do país ou a utilidade de papel higiênico colorido é sempre agradável – mesmo que com um hétero. Desligou o telefone feliz. Haviam marcado de se encontrar numa das milhares entradas do Central Park. Passear no Central Park num domingo de manhã. Que sofisticado, pensou. Enfim seu dia livre não seria tão maçante como o esperado.
Deu uma ajeitada no cabelo desajeitado e uma providencial escovada nos dentes. Enquanto pegava seu casaco, observou a janela. Tímidos flocos de neve pairavam no ar nova-iorquino. Era a primeira vez que via tal fenômeno meteorológico. Sorriu. O céu continuava nublado, mas estava mais belo do que nunca.