A TURBULÊNCIA ESTÁ NO AR
Já completou 50 anos a célebre denúncia do pensador Darcy Ribeiro, que propunha canalizar todos esforços governamentais para a Educação, caso contrário, mais tarde essa ação conjunta precisará ser destinada a Segurança, em outras palavras, se não fossem construídas boas escolas, precisariam erguer presídios de segurança.
Naquele momento, ninguém imaginaria que em resposta a violência policial seriam concebidas duas distintas forças paramilitares, os comandos e as milícias, isso mesmo no plural, pois são muitas as organizações, e o pior, estão sempre em conflito pela constante necessidade de ampliar seu território de influência.
Assim como a polícia militar arregimenta seus membros na sociedade e os treina para reprimir a violência, infelizmente sem o emprego da inteligência, optando rotineiramente pelo confronto direto, e o pior, normalmente no adensado território “inimigo”, se caracterizando como problemático para ações de guerra.
A arregimentação de soldados nestes complexos torna-se trivial, pois em sua grande maioria esses jovens já foram achincalhados em algum momento pela polícia de formas as mais diversas, de casas invadidas no meio da madrugada, passando por abordagens violentas na volta para casa e a invenção de confrontos para justificar a morte de moradores dentro da comunidade.
Imagine você crescer dentro destas comunidades, que a todo momento tem sua vida interrompida por mais uma desastrada operação policial, que fecha escolas, postos de saúde e o comércio interno ou das cercanias, impedindo o livre direito de ir e vir dos moradores.
Até hoje não inventaram um instrumento para avaliar o nível de frustração de cada pessoa, diante desse conjunto de agressões sofridas ao longo da vida, e como isso pode ser digerido por cada pessoa.
Como entender uma realidade em constante mutação, que exige do sujeito cada vez maior capacitação, mesmo para empregos básicos e com baixa remuneração.
Por outro lado, estar ali assistindo de local privilegiado seus colegas de rua ou de escola se esbaldando com o dinheiro auferido pelos grupos paramilitares, que evoluíram e diversificaram seus negócios, relegando às drogas uma atenção cada vez menor.
O comércio de itens básicos e de serviços especializados passou a ser mais lucrativo, pois não se destina a apenas um segmento específico da população, passando agora a atender a totalidade da comunidade de forma bastante profissional.
Hoje o monopólio no comércio de gás em botijão, água mineral e dos serviços de internet e TV fechada garantem renda capaz de bancar esse exército informal e também equipá-lo com armamentos mais modernos e funcionais que os empregados pela força policial do Estado.
O resultado dessa nova realidade se expressa na ocupação do território da cidade, que cada vez cede mais área formal, para essas forças informais, que precisam cada vez mais de novas adesões, para assim manter seus gastos sempre crescentes.
Como essas forças paramilitares até captam soldados na comunidade, mas apenas a parcela mais “preparada”, deixando muitos interessados à deriva na maré de pequenos delitos, pois sabidamente esses jovens devido à má formação acadêmica e a inexistência de cursos técnicos disponíveis vão ser para sempre membros da informalidade laboral, engrossando as estatísticas da taxa de desemprego.
Mesmo agindo individualmente, ou se optarem por atuar em grupo, vão ser sempre aquela parcela mais exposta da violência urbana, sempre sujeitos a alvos de algum policial a paisana.
Fica difícil pensar num futuro socialmente harmônico para essa sociedade, já que independente da linha do governo, nenhum resolveu adotar uma política inclusiva para as camadas mais carentes da população, insistindo em negar os constitucionais diretos de cidadania, seja de saúde, educação, habitação.
Portanto, vivemos o risco de turbulência nesse nosso vôo sem perspectivas de melhorias no tempo.