Tudo pela simplicidade

Bom dia Seu José! Avistei o seu taxi de longe. Direto para o hotel por favor, mas não sem antes, ao subirmos a ladeira, pararmos um pouquinho para olharmos o mar, como vimos fazendo todas as semanas. Como ele é lindo né? Mar é coisa que deveria ser pano de fundo para todos os olhares. Dá uma paz! Quero sair logo deste aeroporto e deixar nele todos os problemas que pensei tê-los deixado dependurados em casa. Que ilusão! A gente viaja e só muda os problemas de lugar.

Eu estava pensando há pouco que bendito foi o dia em que eu lhe encontrei por aqui. Já faz cinco meses que passo meus dias de semana aqui em Salvador e não consigo visualizar o final do projeto no qual estou trabalhando. Lembro-me de que a previsão inicial era de finalização em três meses. Só rindo! Esses homens não sabem o que querem! Acredito que eles não se importem de gastar dinheiro à toa, já que todas as recomendações que fizemos até aqui se transformaram em novas demandas. Demandas um tanto descabidas, com exigência de entrega em tão pouco tempo que chega a arrepiar, se considerarmos que o dia a dia está cada vez mais frenético.

Estou cansada Seu José, muito cansada. Lembre-se de que eu sou do Sul e estou em Salvador há tanto tempo que até já peguei um certo sotaque. O senhor acredita que eu acostumei com a culinária regada a azeite de dendê? E até com o calor desmedido? Pois é! Veja como a gente se acostuma na necessidade.

Mas eu não aguento mais ficar no hotel, sentir o mesmo cheiro do quarto todos os dias e só mudar o olhar no café da manhã. Se não é o senhor para encher o meu mundo por aqui eu não sei o que seria de mim. Ah, o senhor e o Pelourinho, tão próximo, aonde me aconchego vez ou outra para aprender mais um pouquinho sobre os hábitos e costumes deste povo tão cheio de história. No trabalho impossível pois os mapas, gráficos e indicadores ficam mais próximos do que os atendentes sorridentes que circundam os meus dias.

E quem foi que disse que uma consultora tem um mundo diferente de um taxista? Os nossos mundos são muito parecidos. Já conversamos tanto que sabemos que gostamos de muitas coisas parecidas, especialmente da leitura. Sabemos que corremos todos os dias para ludibriar a nossa solidão, especialmente em família.

O senhor já pensou que o conceito de família é muito mais amplo do que imaginamos? Que a partir deste ano o senhor fará parte da minha vida, mesmo com tantos quilômetros de distância? Já pensou na quantidade de livros que trocaremos?

Ah não! Já estamos chegando ... só deixarei a mala no hotel e enfrentarei um novo dia de trabalho, ou melhor, uma nova tarde, já que passei a manhã viajando. Gosto do local onde fica a empresa, muito próximo ao Mercado Modelo, onde costumo passear para comprar mimos típicos daqui. Mas antes de descermos a ladeira, vou lhe pedir para pararmos mais um pouquinho para olharmos o mar. O que o senhor acha de firmarmos um pacto: no meu último dia por aqui, quando finalmente eu for liberada desse projeto sem fim, quando da minha ida para o aeroporto, o senhor se incomodaria de parar em qualquer praia para juntos tomarmos uma água de coco, sentados na areia? Pretendo me despedir de Salvador em alto estilo.

Não leve a mal Seu José! É que a vida anda tosca, os sentimentos meio reprimidos, o tempo curto demais e uma preciosidade como o nosso convívio neste ano precisa ser brindada para que a gente possa acreditar que o mundo não se perdeu por aí.

Tenha um bom dia! Esperarei o senhor, como sempre, às dezoito horas para subirmos a ladeira, pararmos mais um pouquinho para vermos o mar e eu deparar-me com o mesmo cheiro do quarto do hotel.

03/04/2025

Adaptado para publicação no livro PROSA NA VARANDA 8

Rosalva
Enviado por Rosalva em 03/04/2025
Reeditado em 08/04/2025
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