Todos Somos um Pouco do Outro

Pedro observava de longe o sucesso de Leo. Para todos, era claro que na sala não havia ninguém melhor que este e pior que aquele. Isso influenciava bastante na moral de Pedro. Ainda que nunca tenha se esforçado para melhorar, sempre que via como Leo era admirado por muitos, sentia uma vontade intensa de mudar seu modo de ser. Poderia dizer que era inveja? Certamente não, ele nunca fora invejoso, jamais seria. Mas algo o fazia querer estar no lugar dele. Sentir-se aclamado, ser conhecido e respeitado. Mas ele era apenas Pedro, um garoto normal, que nega ter inveja, que nega ter essa vontade de se mostrar. É algo desnecessário.

E isso era o pior. Porque se pelo menos ele fosse indiferente, se ao menos pudesse seguir em frente sem pensar nisso, tudo seria mais fácil. Mas não. Sua mente insistia nesse ciclo, sempre iludido: “E se fosse eu? E se, por algum motivo, um dia, eu estivesse no lugar dele? Como seria?”. Pedro se via mergulhado nessa espiral de desejos. Mas não, ele não queria ser Leo… ou queria?

Ele não agia, claro. Por que tentaria? Sabia, lá no fundo, que qualquer esforço seria inútil. Algumas pessoas estavam destinadas a brilhar, enquanto outras, como ele, nasceram apenas para assistir de longe. Isso deveria ser libertador, uma aceitação do próprio destino. Mas, ao contrário, apenas afundava mais. E, por mais que tentasse negar, uma parte dele se revoltava com isso.

A verdade era que Leo se achava. E Pedro sabia disso. Não era algo evidente, não era arrogância explícita. Leo nunca dizia que era o melhor, mas sua postura dizia tudo. Ele sabia que estava ali por ser bom, sabia que era admirado e, mesmo sem querer, isso transparecia em cada palavra, cada movimento. Ele tratava os outros com certa condescendência, como se, por ser o melhor, tivesse o direito de olhar de cima para os demais.

Até que um dia, a professora anunciou:

— Leo, parabéns! Você foi selecionado para representar a escola na Olimpíada Nacional de Matemática!

A sala explodiu em aplausos, mas Pedro, sentado ali, não conseguia se mover. Era como se o peso de mais uma derrota o imobilizasse, mesmo sem ter competido. Aplaudiam Leo, o que tornava ainda mais óbvio que ele era o melhor, sempre o melhor, em tudo o que fazia. E Pedro, bem, ele era apenas Pedro. Mais uma vez. Se não havia mais espaço para ele ali, por que ele deveria ser lembrado?

As semanas seguintes foram cheias de treinos para Leo. Havia um programa especial para ele se preparar para a competição, e, a cada dia, ele se via em um ambiente onde o único objetivo era ser superior aos outros. Mas, ao invés de melhorar, Leo começou a se perder. Ao se ver rodeado por pessoas igualmente talentosas, ele não lidou bem com a competição. Em vez de aprender com os outros, ele se fechou em seu próprio mundo, criando um espaço onde ele precisava ser o melhor a qualquer custo. E isso começou a se refletir em como ele tratava os outros.

Leo não era mais o colega simpático de antes. Agora, sempre que Pedro estava por perto, Leo lançava olhares de desdém, fazendo piadinhas sutis sobre suas dificuldades. Nada exagerado, nada diretamente cruel, mas o suficiente para Pedro sentir o peso de cada palavra não dita, cada olhar que o fazia se encolher um pouco mais. Leo não precisava ser agressivo. Ele simplesmente se via superior, e isso transparecia nas pequenas atitudes.

Pedro tentava apenas ignorar. Aquilo não importava, por que haveria de importar? Se Leo se achava o melhor, pior para ele. Mas, em seu íntimo, algo doía. Algo cruel e egoísta se manifestava, uma parte de si que desejava algo. Talvez, só talvez, se Leo falhasse…

Mas Pedro, em seu próprio silêncio, sabia que não poderia se deixar consumir por isso. Na escola, ele era invisível, um espectador da grandeza de Leo, mas havia algo mais, algo que ele ainda tinha para si: a música. Ele sempre foi bom nela. Talvez, não o melhor, mas bom o suficiente para sentir que ali ele não era julgado, não precisava ser comparado com ninguém.

De repente, um pensamento cruzou sua mente; na verdade, uma lembrança de Leo, que o fez pensar novamente em sua situação. Nas aulas de música, ele, que antes aceitava ser apenas mais um, agora queria ser o melhor. Ele queria ser admirado, desejava que os outros vissem sua habilidade. Mas não de uma maneira humilde, como antes. Agora, ele queria que os outros sentissem a mesma inferioridade que ele sentia.

Quando começou a perceber que seus colegas na aula de música também buscavam reconhecimento, Pedro passou a agir como Leo. A cada erro de um colega, ele não os incentivava. Não. Ele zombava de suas falhas, criticava o trabalho alheio com um sorriso de superioridade. Sempre que alguém tentava mostrar algo novo, ele fazia questão de interromper, apontando o que estavam fazendo errado, como se ele fosse a autoridade ali.

"Você realmente acha que vai conseguir fazer isso? Você não tem ritmo, não tem técnica", dizia para um colega tímido, que mal sabia como ajustar a posição das mãos no violão. Ele sentia prazer ao ver os outros se encolherem, como se ele fosse, finalmente, quem os outros temiam. Era um prazer amargo, mas reconfortante.

Os meses passaram e Pedro se tornou o centro da aula de música, mas não pelo motivo certo. Ele não era mais o aluno que se destacava por sua habilidade genuína, mas por sua necessidade de ser superior aos outros. E o pior: ele não conseguia mais parar. Aquela sensação de controle, de ser o "melhor", o "superior", se tornou viciante. Ele se via nos outros como Leo se via em sua turma de matemática. A necessidade de se provar, de se destacar, o consumia.

E, ao fazer isso, Pedro começava a perder o que realmente importava. Ele se afastava dos colegas, afastava-se da música, afastava-se de si mesmo. O ciclo se repetia, agora com ele no centro.

Quando Leo terminou sua preparação para a Olimpíada, Pedro não o viu com os mesmos olhos. Seu "inimigo" não conseguira medalha alguma, e isso o fez sentir um delicioso sabor de vitória. Leo não era mais o garoto que ele invejava, mas alguém que agora ele via como alguém normal. Mas o que Leo não sabia era que, durante o tempo em que ele estava se preparando, Pedro havia se transformado. Ele não estava mais atrás de Leo. Não mais. Ele havia se tornado alguém tão consumido pela necessidade de ser superior que agora, no fundo, Pedro não passava de mais uma versão do próprio Leo: alguém que achava que, ao humilhar os outros, conseguiria se sentir melhor consigo mesmo.

O ciclo, mais uma vez, se repetia. Só que agora, Pedro não apenas o observava de longe. Ele era a própria sombra que ele sempre temera.