BOLO, BOLINHO, BOLACHA...

BOLO, BOLINHO, BOLACHA...

A manhã nem bem iniciara e a "colaboradora" -- expressão moderna para o secular termo "empregada doméstica" -- já tirava do forno da cozinha espaçosa belo bolo de fubá, com aroma de laranja e cheiro divino. O perfume irresistível encheu as dependências do casarão das Laranjeiras (ou Cosme Velho, é tudo a mesma coisa) e trouxe o "seu" Tranquilino até o reduto sagrado da serviçal quase da família, 4 décadas a servi-la. O vovô esguio "arrombou" a porta de madeira maciça.

-- "Credo, seu "Lino", isso são horas de invadir minha cozinha" ?!

-- "Não se pode dormir com um cheiro desses, querida... me dá logo 1 pedaço, ainda nem tomei café" "

-- "Nem morta... esse bolo é das meninas" !

-- "O quê ?! Menina quer boneca, namorado... bolo é coisa de velho. Manda logo um naco dessa maravilha" !

-- "Ainda não fiz a calda; pode desistir ! Coma bolacha, sobrou bolinho de bacalhau, de ontem" !

-- "Mas, isto é uma tortura, capitã "Nenê" ! Vou me queixar pra "generala" Lili, pros Direitos Humanos. Não se trata um velho desse jeito" !

-- 'Não exagere, seu Lino; logo, logo, elas acordam" !

Num domingo ia ser difícil... o vovô dos Champagnat "voltou à carga", era soldado antigo, não iria ser vencido assim.

-- "Minhas mãos estão tremendo, Neusinha querida... eu caso contigo só por um pedaço desse manjar" !

-- "Já estou "casada" com meu trabalho... agora, fora daqui, preciso fazer a calda, DE GOIABA" !

Ela olhou de esguelha pro velho, sorriso de boca fechada "rasgando" o rosto de um lado a outro. "Seu Lino" ia ter um enfarte, infarto, AVC, algo do gênero, goiaba era seu doce predileto. Saiu da cozinha disposto a conquistar aquele território, perdera uma batalha mas não a guerra. Ligou às pressas para uma floricultura, a loja mal abria. O contínuo nem chegara ainda, não tinham como atender uma encomenda "com tal urgência". Não desistiu... pagava 3 vezes mais.

-- "Venha a senhora, o negócio não é seu ?! Ademais, é aqui pertinho, mas não esqueça, é preciso SEGURAR a velha no portão" !

Minutos depois tocam com insistência a campainha, iam acordar a casa inteira...

-- "Ateeenda a pooorta, seu Lino, estou ocupada"! berra Nenê, irritada.

-- "Não posso, estou no banheiro... "é o número 2", não dá pra sair agora" !

Manteve a porta do banheiro aberta, fresta mínima para monitorar o longo corredor. Lá foi Neusa às pressas, enxugando as mãos no avental de 20 invernos.

--"Flores para Neusa Bórgia... é a senhora" ?! (A dona da loja seguia o "script" acertado por telefone.) "Não vai abrir o envelope, ler o cartão ?! Vai ver é algum admirador secreto" !

-- "Pra mim ?! Eu lá sou mulher de namoricos" ?!

Abriu e só não ficou vermelha de ódio por ser negra... era mais uma graçola do "seu Lino".

-- "Minha adorada "capitã Nenê", o forte foi conquistado, venci esta guerra. O bolo, como sempre, estava uma delícia. - SD "Lino 488" !

-- "Miserável... e a senhora tem algo a ver com isso, com certeza" !

Chegou esbaforida a cozinha, "Lino" de boca cheia e o bolo sem 2 ou 3 "costelas", vísceras à mostra.

-- "Seu patife, estragou meu lindo bolo" !

-- "Não seja por isso..." e ajustou com a espátula os dois lados do "anel" desfeito, unindo-os. Ficou perfeito, embora menor.

-- "Agora é só refazer a calda, "capitã Nenê" !

"NATO" AZEVEDO (em 30 de março/2025, 6hs)