Quando você chegar
Quando Você Chegar
Cardoso I
David tinha sete anos quando escreveu sua primeira carta.
"Querida mamãe,
Eu sei que você ainda não me encontrou, mas eu estou esperando. Aqui, no orfanato, há muitas crianças, mas eu tenho certeza de que, quando você chegar, vai saber que sou seu filho. Eu gosto de bolo de chocolate, dias de sol e histórias antes de dormir. Espero que goste também. Com amor, David."
Ele dobrava a carta com cuidado, como se cada linha fosse um segredo precioso, e a guardava no pequeno baú de madeira debaixo de sua cama. Era um ritual. Toda semana, uma nova carta, uma nova esperança.
O tempo passou. Outras crianças foram adotadas, uma por uma, e David continuava ali. Escrevendo. Esperando.
Até que um dia, a tosse veio. Pequena no começo, depois forte, rasgando seu peito. Ele ficou fraco, pálido, e os médicos disseram palavras que ele não entendia direito. Mas percebeu quando as freiras passaram a olhá-lo com mais ternura e os dias começaram a ser mais silenciosos.
Foi então que Lucy chegou.
Ela era uma enfermeira da cidade, de olhos gentis e mãos que traziam conforto. Nunca teve filhos, nunca casou. Quando a chamaram para cuidar do menino, sentiu algo diferente, uma urgência que não soube explicar.
Nos primeiros dias, David não falava muito. Apenas olhava pela janela, como se esperasse alguém.
— No que pensa, querido? — perguntou Lucy, certa tarde.
Ele hesitou. Depois apontou para debaixo da cama.
— No baú. Pode pegar?
Lucy puxou o baú e abriu a tampa. Dentro, dezenas de cartas dobradas com cuidado. Pegou uma ao acaso e leu. Então outra. E outra. Suas mãos tremiam.
E chorou.
David a observava, os olhos brilhando de expectativa.
— Elas são para ela — sussurrou. — Minha mãe. Quando ela chegar.
Lucy engoliu o choro e segurou a mão do menino.
— David… e se eu disser que já cheguei?
O silêncio preencheu o quarto. O menino franziu o cenho, como se tentasse entender o que ela queria dizer.
— Mas… você não é minha mãe.
Lucy apertou sua mão.
— E se eu quiser ser?
David não respondeu de imediato. Seus olhos, cansados, percorreram o rosto dela. Então, um pequeno sorriso surgiu em seus lábios.
— Você gosta de bolo de chocolate?
Ela riu, entre lágrimas.
— Adoro.
David suspirou, fechando os olhos.
— Então tá bom.
E Lucy ficou. Dias, semanas. Leu cada carta para ele, uma por uma, como histórias antes de dormir. Fez bolo de chocolate. Sentou-se ao lado da cama quando as noites eram longas demais.
E quando, certa manhã, David se foi, ele partiu nos braços de sua mãe. Porque, afinal, ela tinha chegado.