As Escolha de Newton
Newton de Castro destacava-se como o protético mais renomado na cidade onde vivia. A ausência de concorrência era notável, dada a baixa densidade populacional do município. A presença de outros profissionais em prótese dentária resultaria em dificuldades financeiras, devido à escassez de demanda. Sua clientela era composta pelos três únicos dentistas da região, que o preferiam pela excelência das próteses, cumprimento rigoroso dos prazos de entrega e eficácia da publicidade que Newton promovia na rádio local.
Além de sua habilidade como protético, Newton nutria uma paixão pela arte da comunicação radiofônica. Dotado de uma voz grave e dicção impecável, ele era o locutor do programa matinal "Bom dia Brodowski". A transmissão, que começava às 6 horas da manhã, trazia notícias, músicas e informações sobre eventos importantes na cidade: oportunidades de emprego, celebrações religiosas, casamentos, eventos culturais e anúncios de falecimentos. As propagandas eram focadas nas clínicas odontológicas e médicas locais, comércios e nas empresas da região.
A atividade como locutor no programa matinal representava a verdadeira paixão de Newton. Embora almejasse narrar e comentar jogos de futebol, a ausência de um time e campeonato local o impediam Ele, então, comentava as partidas e os resultados dos campeonatos de futebol de São Paulo e do Rio de Janeiro. Sua maior audiência era alcançada ao abordar novelas da televisão e casos de suspense policial de todo o país. No entanto, a remuneração da rádio era insuficiente para seu sustento, forçando-o a escolher entre o sonho e a razão.
A família Castro possuía uma longa tradição na odontologia. O Dr. Pedro de Castro, avô de Newton, foi o pioneiro dentista em Brodowski. No início do século XX, ele acumulava as funções de clinico e protético. O Dr. Antônio de Castro, filho único do Dr. Pedro e pai de Newton, aprendeu tudo sobre prótese dentária e tratamento com o pai e desejava que o filho seguisse a mesma trajetória. Contudo, Newton não apreciava os estudos e, na juventude, preferia jogar futebol com os amigos, o que o impediu de ingressar na faculdade de odontologia. Decepcionado, o Dr. Antônio encontrou uma maneira rigorosa de ensinar ao filho a profissão de protético em seu laboratório, uma experiência desafiadora para ambos.
No começo, Newton resistiu ao aprendizado da profissão: mostrava desinteresse, ficava mal-humorado, disperso e buscava desculpas para evitar o laboratório. Certo dia, o Dr. Antônio, cansado da falta de comprometimento do filho, decidiu intervir e disse: "Newton, você não é mais criança. A partir de hoje, não terá mais mesada. Ou trabalha comigo e recebe um salário, ou busca seu próprio sustento. Se optar por ficar em casa, deverá contribuir com as despesas. Você precisa amadurecer e entender que a vida não se resume a jogar bola, você não é um jogador profissional do futebol. Na sua idade, eu já ajudava e aprendia essa profissão com seu avô, não vivia ocioso como você. A escolha é sua: ser protético ou buscar outro caminho. Chega de vadiagem!"
Indignado, Newton respondeu: "Eu não gosto disso, minha vocação é ser radialista. Vou encontrar um emprego e um lugar para morar. Não serei mais um fardo para a família". Saiu do laboratório, batendo a porta. No bar, com o pouco dinheiro que tinha, bebeu uma cerveja e desabafou com os amigos, dizendo que havia sido expulso de casa. Decidido, afirmou que resolveria sua vida e não dependeria mais dos pais. Sua primeira tentativa de emprego foi na rádio, onde apresentou projetos como um jornal de notícias no final da tarde, rejeitado devido à "Hora do Brasil". Propôs também um programa vespertino de poesias e cartas de amor, mas o diretor argumentou que ninguém lia poesias e não havia público para tal programa.
Desanimado, Newton vagou pela cidade, buscando soluções. Retornou ao bar que frequentava e solicitou um emprego, mas foi recusado, pois o proprietário já atendia os clientes e não tinha recursos para contratar um funcionário.
Após dias de incessante busca por emprego, enfrentando repetidas recusas, dormindo em casas de amigos, sem trocar de roupa e sem dinheiro, Newton sentiu na pele a dura realidade da vida. Humilde, decidiu procurar a pessoa que mais amava: sua mãe, Dona Tereza.
Aflita, Dona Tereza mal conseguia dormir, preocupada com o paradeiro do filho: "Onde estará? Será que está se alimentando? Onde estará dormindo?". Após quatro dias, Newton surgiu na casa da mãe, na ausência do pai. Sujo, abatido, faminto e exausto, ele buscou o amparo materno. Dona Tereza o acolheu com um abraço e o incentivou a tomar banho enquanto preparava sua refeição. Ao sair do banho, Newton vestiu roupas limpas e cheirosas. Na mesa estava um prato feito, com arroz, feijão, bife e salada, era tudo que ele mais gostava de comer Devorou a comida e repetiu a dose. A mãe ficou em silêncio, observando, esperando que ele se alimentasse antes de conversarem.
Vendo que o filho estava cabisbaixo, ela o levou para o seu quarto e pediu que descansasse um pouco. Ao chegar no seu quarto, Newton viu a sua cama arrumada, o lençol estendido sem nenhum vinco, liso como se fosse uma folha de papel branco e perfumado com alfazema, era o que precisava. Ele se deitou. Sua mãe fechou a cortina, a porta e foi para sala esperar o filho acordar para eles conversarem.
Após três horas, Newton acordou e encontrou a mãe à espera na sala. Ele relatou suas experiências recentes e pediu conselhos. Dona Tereza, comovida, respondeu: "Filho, você é um homem inteligente e aprendeu valiosas lições nesses dias. A vida exige luta para sobreviver, mesmo em atividade que não nos agrada. Não se deixe desviar do seu caminho, pois poderá se perder. Seu pai e eu desejamos apenas o seu bem." Dona Tereza segurou as mãos do filho e continuou: "Meu querido, a vida oferece diversas escolhas, e cada um trilha seu próprio caminho. Chega um momento em que devemos tomar decisões que moldarão nosso futuro. Você se encontra nessa fase, dividido entre o sonho e a razão, um dilema comum a todos. Como um homem inteligente, você pode conciliar ambos. Aproveite a oportunidade que a vida lhe oferece, pois uma oportunidade dessa não bate duas vezes na mesma porta. Aprenda a ser um bom protético, com o auxílio de seu pai, garantindo seu futuro profissional. Cultive seu dom de radialista e siga com seu programa matinal. Após o programa de rádio, dedique-se à prótese dentária. Viu como é simples resolver o problema?"
Newton ouviu a mãe com a devida atenção, aquelas palavras sábias lhe tocaram o coração, concordou com tudo e decidiu que essas seriam as suas escolhas e os caminhos que iria seguir: continuaria na rádio e seria um radialista porque era o seu sonho desde menino, e se dedicaria a profissão de protético, que seria a sua profissão.
Nesse instante, o Dr. Antônio entrou na sala e viu o filho sentado ao lado da mãe. Contendo o impulso de abraçá-lo, reconheceu a importância crucial do momento para o futuro do filho. Sentou-se no sofá ao lado da esposa, enquanto Newton permanecia na poltrona em frente, aguardando o início da conversa.
Newton compartilhou suas experiências dos últimos quatro dias: fome, frio, solidão e desprezo. Sua arrogância juvenil dissipou-se como água corrente. Humilde, pediu desculpas aos pais por seus atos. Com a ajuda da mãe, ele compreendeu melhor a vida e encontrou uma solução, conciliando a paixão e a profissão.
Manteria seu programa de rádio às 6h, nutrindo o sonho de infância, encarando-o como um hobby. A partir do dia seguinte, às 9h, se dedicaria de corpo e alma no aprendizado da prótese dentária, buscando ser o melhor protético da cidade e região. Essa seria sua segunda escolha: a razão da sua vida.