DOS VIDROS E DOS CRISTAIS
Nem era tão bonita, mas se achava. Não era especialmente inteligente - tinha bom vocabulário, mas idéias vulgares - por isso assumia ares de quem está entendendo tudo, mas não opina por fastio. Vestia-se o mais decotadamente possível, porém combinava cores.
Assim, era muito notada pelos homens, coisa que intimamente a satisfazia, mas não bastava. Primeiro vivia tentando o eterno golpe do baú, sem sucesso. Tentava. Tentava bravamente. Um dia, um deles, que estava prestes a casar com uma herdeira de várias fortunas, disse-lhe tranqüilamente, após uma tórrida sessão de sexo, dando-lhe uma aula básica de economia simples:
- Ninguém junta o que é seu com nada, minha querida. Desse jeito divide-se o patrimônio inutilmente!
Depois, apenas alguém com quem ficar permanentemente, por que o tempo estava passando. Mas, os homens que pretendia pareciam fugir-lhe após algum tempo.
Porque? Perguntava-se angustiada e infeliz. Porque? Um dos últimos, funcionário público de má morte, casado e pai de três filhos, a quem pagava regularmente a estadia do motel, disse-lhe, palitando os dentes após comerem o churrasco pago por ela, com a vaga idéia de fazer uma piléria engraçada:
- Desse jantar todinho, se eu fosse te comparar ao que eu comi, te digo: você é que nem essa salada de chuchu. Enfeitada sim, mas sem gosto!
Essa decepção, mais que a outra, do ricaço, a combaliu. Ficou de cama uma semana inteira. Chorando.
Cartomantes, pais-de-santo e todos os bruxos e feiticeiros, após algum tempo a despediam. Preferiam perder o dinheiro a suportar tanta chateação e acabar perdendo a fama – feitiços, supostamente infalíveis, com ela falhavam – neste negócio, a propaganda é primordial. Um deles foi mais cruel:
- Sinto muito, mas com seu azar não há santo que possa. No seu caso só Deus, com algum esforço. Passe muito bem.
No restaurante, onde ela almoçava sozinha, um grupo a observava. Estava, como sempre em estado de alerta. Lançando olhares como dardos. Pensando na próxima estratégia. Pensando na próxima vítima – pensava nos homens como vítimas potenciais de seus encantos malignos e – supostamente - infalíveis. Achava-se malignamente sensual, sempre pensando em que armadilhas usar.
Usava um perfume forte e hipnótico, chamava a atenção dos homens – pelo menos por alguns instantes – e, sobretudo, incomodava as outras mulheres. De um modo geral as hostilizava. E igualmente era hostilizada por elas. Não tinha amigas. Apenas rivais e conhecidas, que ela fazia questão de pisar calma e cruelmente, quando podia.
Elas também não a poupavam. Ante um, dos muitos homens, em fuga das presas dela, comentavam:
- Vocês souberam? Mais um que correu. – dizia uma, sentindo-se vingada – Vamos ver quem será o próximo!
- Nem espere para tão cedo. – disse uma delas, realista - Esse repercutiu demais!
- É a fama que atrai, não se iluda! – falou uma delas, a mais cruel - Só depois do primeiro contato é que eles vão ver com quem estão lidando.
- Eu tenho pena. – dizia outra, com ar superior – São conquistas fáceis, vão fácil também.
- Pois eu não tenho pena nenhuma. – dizia outra a quem havia roubado a atenção do namorado – Espero que passe um longo tempo sem ninguém!
- Não seja cruel – dizia a do ar superior – Afinal a solidão deve ser uma coisa triste!
- E por acaso ela pensou em mim quando ficou se atirando para o Robertinho? Não, se não tivesse tanta certeza do amor dele, ficaria preocupada!
- O fato – dizia a cruel – é que o Robertinho achou ridículas as tentativas de conquista. Ele comentou comigo, foi claro: nunca vi mulher mais vulgar, mais sem classe.
- É – disse a realista – Mas, Robertinho deu-lhe uma trela louca, que eu vi.
- Ora! Ele foi apenas educado – disse a namorada do tal Robertinho, já meio ofendida – afinal, era uma festa, um lugar público. Queria que ele a tratasse mal?
- Não digo mal – continuou a realista – mas, sem tantos sorrisos, sem tanta proximidade. Ele estava praticamente mergulhando no decote dela.
- Eu não vi nada disso! – disse a namorada do Robertinho, extremamente ofendida.
- A gente só vê o que quer!
- Calma, gente! – disse a cruel – Só faltava essa. Discutirmos por conta dela. Depois, o Robertinho é homem, e quase todo homem gosta de uma vulgaridadezinha. Isso os excita!
- Que o diga teu marido, hein?
- O que você quer dizer com isso?
- Ora, teu marido não foi vítima dela? Você mesma não nos contou?
- Ah! Mais foi uma coisa bem ligth...- disse a cruel, disfarçando a raiva e o vexame – Ela nem chegou a tentar! Eu imediatamente tomei providencias: retirei o Alaor discretamente da festa!
- Sei...- disse a outra, pensando e não dizendo, que o Alaor fora visto saindo de um motel – Mas, isso são águas passadas.
- É – disse a cruel – melhor nem tocar mais neste assunto.
- É melhor – disseram em uníssono – vamos falar de outra coisa.
Porém, cada uma das que havia experienciado a proximidade dela, não tirava sua figura da vista e do pensamento.
Do outro lado do restaurante, ela pensava consigo mesma:
- Por que? Por que? Por que?
E um imenso e indefinível vazio tomava de quando em quando seu coração solitário.