Natal entre dois mundos - Parte II
Na manhã seguinte, com as energias restauradas pelo balsâmico sono, ergui-me por volta das nove horas. Ao abrir a sacada, fui recebido por um dia esplêndido, o ar fresco a roçar o rosto e o céu pintado de um azul imaculado.
Na cozinha, um café preto e saboroso, cortesia da amável anfitriã, aguardava-me como um gesto silencioso de hospitalidade.
Descemos as estreitas escadas, impregnados de uma ansiosa expectativa pelo dia que nos esperava. Assim que pisamos na rua, a sensação de uma viagem no tempo nos envolveu, e uma fotografia se fez necessária para eternizar aquele instante de encanto.
Sem um roteiro predefinido, deixamos que o caminho nos conduzisse. Logo, alcançamos a Praça do Rossio, onde um mercadinho de Natal, charmoso e perfumado, evocava memórias de outras eras. Mais adiante, outra praça, outro mercadinho, mas uma confeitaria estilosa chamou mais nossa atenção. A famosa Confeitaria Nacional, com sua aura de um filme antigo, brindou-nos com um desjejum memorável.
Atravessamos uma imponente loja de departamentos, Zara, antes de nos depararmos com a entrada da Rua Augusta. No meio dessa rua, o Elevador de Santa Justa, majestoso, disputava atenções com uma loja de pastéis de nata, que acabou por vencer essa batalhe sensorial. Continuamos até a Praça do Comércio, imaginando os ecos dos eventos históricos que ali tiveram lugar, inclusive a chegada dos lusitanos ao Novo Mundo. Caminhamos até o Rio Tejo, onde, num parapeito, pus-me a contemplar o rio e, ao longe, do outro lado, a figura do Cristo, tal qual o Redentor carioca, guardando a cidade. Fiquei ali, absorto, enquanto um violinista tocava músicas contemporâneas, entrelaçando passado e presente em uma harmonia singular.
Depois de uma caminhada à margem do Tejo, enfrentamos a subida ao Castelo de São Jorge. As ladeiras de pedra, a igreja medieval no caminho, e ao lado, uma tangerineira perfumada que despertou os desejos do meu companheiro. Contudo, as frutas eram inalcançáveis, restando apenas o perfume como consolo. As ruas medievais ao redor do castelo, com seu ar de cortiço, as roupas nas janelas e as ruelas sem saída, compunham um cenário pitoresco. Na descida, a reflexão sobre o vazio entre os prédios e o elevador trouxe à mente as tragédias que ali poderiam ter ocorrido.
Na Praça da Figueira, saboreamos punheta de bacalhau acompanhada de cerveja, ao som de música, em meio a uma multidão multicultural. Na volta, uma rave inesperada no Mercado de Natal da Praça do Rossio fez todos dançarem, sem inibição, ao som de um DJ com seu fone e vinis.
De volta ao Bairro Alto, encontramos um restaurante tipicamente português. Ali, a promessa de uma experiência gastronômica e musical se cumpriu com o fado. A cantora, ao som de violão, sem microfone, entoava as músicas que capturavam a essência daquele momento. Sentíamos que aquele era o nosso destino, o nosso fado. No restaurante, trabalhava Sara, uma jovem carismática que nos revelou ser do Nepal, mostrando que Lisboa é um ponto de encontro de culturas. A certeza de que os limites entre os mundos são imaginários se reforçou.
Os dias seguintes foram igualmente encantadores. Viajamos no icônico bondinho até Belém, admirando a famosa torre e o Mosteiro dos Jerônimos, onde repousam Vasco da Gama e Luís de Camões.
No retorno ao centro de Lisboa, uma parada no Mercado de Ouriques para saborear bolinho de bacalhau com um bom vinho alentejano. Subimos ao Bairro Alto mais uma vez, prestigiando a hospitalidade de Sara e a música que transcendia culturas e épocas.
Ao final, a promessa de uma nova aventura nos aguardava. O trem, pontual, nos levaria a Coimbra, inaugurando um novo capítulo em nossa jornada.