Natal entre dois mundos

Depois de tantos anos em que as circunstâncias se mostraram adversas, entre pandemias e compromissos que prendem os pés à terra, finalmente se delineava a promessa de uma fuga. Não era a primeira vez que sonhava com a Europa: antes, foram duas viagens canceladas – uma que uniria Espanha e França e outra que terminaria nas luzes pulsantes de Londres, coroada pelo lendário Hogmanay de Edimburgo. Tudo, entretanto, esvaíra-se no imponderável fluxo da vida.

Porém, dezembro de 2024 surgia com um vislumbre de possibilidade. O Natal prometia frio, mercados reluzentes e o apelo atemporal de sinos e coros. Nova Iorque, com sua aura cinematográfica, foi o primeiro pensamento, uma reminiscência de tardes infantis gastas entre "Esqueceram de Mim" e a neve fictícia que caía na sala de estar. Todavia, a realidade impôs seus próprios contornos: passagens caras, hospedagens ainda mais, e o Airbnb, com seus relatos de armadilhas financeiras, parecia um terreno pantanoso.

E assim, como em tantas histórias, uma negação foi a mãe de uma escolha: o destino seria a Europa. Portugal, pelo custo mais brando, e Paris, pelo amor que já nutríamos por sua luz e pelo calor discreto de familiares que ali habitam. A decisão trouxe consigo o alívio de algo concreto e o júbilo da antecipação.

A logística, embora tediosa, era parte do prazer. Emitir passagens – ora por pontos, ora com dinheiro –, calcular itinerários e, finalmente, imaginar os passos em terras estrangeiras. Lisboa seria o ponto de entrada, com seus azulejos e vielas. O Porto, uma escala cheia de vinhos e melancolia. Paris, o grand finale.

O voo partiu de São Paulo numa tarde cinzenta, a aeronave enorme, mas apertada, oferecendo um jantar morno e assentos que mais pareciam desafios à ergonomia. Ainda assim, a expectativa suavizava o desconforto, e a chegada a Lisboa, na manhã úmida do dia 14 de dezembro, foi recebida com o frescor da novidade.

Descemos do avião pelas escadas, uma experiência rara para os dias de fingers onipresentes. A garoa fina e o frio matinal foram um prólogo inesperado, quase poético, para a entrada na cidade. Após uma longa espera na imigração e o riso compartilhado com adolescentes gaúchos em viagem esportiva, finalmente alcançamos o metrô.

Lisboa nos recebeu como uma anfitriã que equilibra o luxo do acolhimento com a rusticidade da tradição. O Mercado da Ribeira, ainda vazio em nossa chegada, encheu-se rapidamente de aromas e conversas. Bolinhos de bacalhau e pastéis de nata encontraram companhia em cervejas IPA, enquanto o tempo deslizava preguiçoso.

Nosso Airbnb, no Bairro Alto, era um pequeno retrato da cidade: escadas estreitas, uma sacada modesta e sons que misturavam risadas, música e vida. A noite caiu sobre Lisboa, e com ela veio o espetáculo das Drags, entoando Whitney Houston e, para surpresa nossa, Marília Mendonça. O vinho, a música, o burburinho: tudo conspirava para uma noite inesquecível.

Já com a sacada fechada e sob lençóis limpos, adormeci com a sensação rara de pertencer a um lugar que nunca fora meu. Lisboa me parecia uma velha amiga, dessas que se reencontram após anos e retomam a conversa do ponto exato em que a deixaram.

E assim, naquela noite restauradora, percebi que viajar não é tanto o deslocar-se de um lugar a outro, mas a capacidade de reinventar-se em cada passo.

(Continua...)

Breno Braga
Enviado por Breno Braga em 03/01/2025
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