Rebuliço no forró

Gilberto Carvalho Pereira- Fortaleza, CE,31 de dezembro de 2024

O ano era 1961. Adalberto e Jonas, irmãos, jovens oriundos do interior do Ceará, estudavam na capital, mais precisamente, no Colégio Cearense. Ambos, aficionados por forró, modalidade de música típica do nordeste brasileiro, não perdiam os festejos juninos, principalmente os realizados na cidade onde nasceram. Moravam em uma fazenda, longe da sede do município, próxima a uma comunidade de agricultores, alguns eram trabalhadores na fazendo do pai, contratados para a colheita do feijão e do milho, vendidos em outras cidades.

No São João daquele ano, os garotos convidaram o colega de colégio, Carlos Miranda, para visitar a propriedade de seus pais, e conhecer, de perto, um forró da pesada, geralmente realizado nas cercanias da fazenda, com o comparecimento maciço das moças locais, com mais de 15 anos. Essa exigência atiçava a libido dos garotos da roça, já que as moças, doidas para casarem, eram proibidas de baterem pernas pelas estradas e caminhos da localidade, sozinhas.

Carlos Miranda era um garoto caseiro, estudioso, quase não se apresentava em festas, principalmente durante o período junino. Mesmo assim, aceitou o convite dos irmãos e lá foram os três, na madrugada do dia 23 de junho. Chegaram cedo, ficaram em quartos separados, a casa era grande, e tinha acomodação para mais de 20 pessoas. Ao entardecer começaram a ouvir, vindo dos quatro cantos da fazenda, os primeiros sons dos instrumentos próprios das bandas de forró, contratadas para animarem os arraiais da redondeza. O que se ouvia, para Carlos Miranda, eram sons, que os locais chamavam de forró autêntico, isto é, aquele tocado por um conjunto de músicos constituído por tocadores de sanfona, triângulo e zabumba, tendo um cantor e pretenso animador do baile, que aos berros, tentava cantar mais alto que a zoada produzida pelo conjunto musical.

Os dois irmãos já prontos para o baile, foram apressar o amigo visitante. A festa começava cedo e terminava no início da madrugada. Os três, já na estrada, tentavam identificar o local de onde vinha o som mais animado, procurando adivinhar as músicas que estavam sendo tocadas. As que faziam mais sucesso eram de Luiz Gonzaga, o criador do forró, Dominguinhos, Anastácia, Marinês, Genival Lacerda. O cantor, às vezes, atropelava as letras, mas ninguém percebia ou deixava passar. Também eram tocados os ritmos: baião, xote, xaxado, marchinhas matutas, quando alguns ensaiavam uma quadrilha improvisada. Escolhida a direção a ser tomada, de onde vinham as músicas conhecidas, apressaram os passos, chegando eufóricos e cansados, mas tinha valido o esforço. O local, apinhado de gente, parecia animado.

No salão improvisado, de barro batido, a poeira rondava, o arrasta-pé comia solto e tinha homens vestidos de linho branco, a intenção era impressionar. As garotas, em pé, ao redor do salão, esperavam para serem tiradas para dançar. Algumas vezes, havia início de briga, logo abafada pelo pessoal da segurança, também improvisada. Quando não era possível a paz, os brigões eram expulsos. Havia severas regras e quem não as cumpria, eram arrastados para fora do terreiro. As garotas não podiam negar uma dança para ninguém, somente aos embriagados, já prestes a rolarem no chão.

O convidado dos irmãos, foi instado a dançar. Ele olhava, insistentemente, para uma bela garota, que antes tinha negado dançar com um rapaz, que parecia ter bebido muito. Tomando coragem, chegou-se à moça bonita, que também já percebera a presença daquele garoto da cidade, se apressou a ficar à sua frente, mesmo sem ele ter dito nada. Assustado, o garoto segurou a mão da moça e foram para o salão de barro batido. Surpresa para o jovem, só agora percebido a condição do piso do salão Os primeiros passos de dança foram desconcertantes, falta de costume. O preterido na dança, olhando para o par instável, invadiu o salão e arrastou o rapaz, deixando-o estendido no chão, que ficou sem saber o que fazer. A menina não veio em seu socorro, não sabia o porquê daquela atitude. Os amigos também não, estavam do lado contrário do acontecido.

O visitante tentou se levantar, mas não conseguiu. Havia fraturado uma das pernas, tal a violência que fora sacado do salão. Ninguém o conhecia, os seguranças arrastaram o garoto até a porta de entrada, e o deixaram ali, sem assistência. Somente ao final da festa os amigos o encontraram, providenciando a sua remoção para o hospital mais próximo. E assim, findou a vontade do visitante tornar-se apreciador de baile de forró. Dos meses andando apoiado em uma muleta. Todo esse tempo contaram o a companhia dos dois colegas irmãos.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 31/12/2024
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