Nhô Bento e os espelhos de sol
Essa história aconteceu no interior da Bahia em uma propriedade rural pertencente a uma pessoa folclórica da região. Estamos falando do senhor Francisco de Assis, mais conhecido pelo povo da região como nhô Bento. Homem humilde e de costumes simples herdado dos pais, nunca saiu da propriedade, mas fazia questão de participar dos festejos e cerimonias religiosas que ocorriam na região. Não se preocupava com nada. Curioso, mas de temperamento tranquilo, tudo estava bem na sua vida e de sua esposa. Até a chegada do inverno...
A questão era que naquele ano, o inverso estava sendo rigoroso e todos sem exceção, estavam sofrendo com esse rigor. A lavoura nem se falava mais. Os animais domésticos então, dava tristeza de ver. Seu Bento, mantinha o costume de acordar no primeiro momento do amanhecer para iniciar as tarefas do dia. Água pros animais, abastecer o pequeno tanque de água e o tonel para os serviços da casa, avivar o fogão a lenha pra passar o cafezinho e fazer o beiju na manteiga que ele mesmo fabricava na sua propriedade. Tinha duas vacas leiteira, umas galinhas, uns porquinhos e um jumento que auxiliava nas tarefas do campo. Vida simples, sem água encanada, sem energia elétrica e, consumidor dos candieiros que ele mesmo fazia com latas de óleo, que recolhia pela estrada quando ia ao vilarejo. Vivia com sua esposa dona Neinha, conhecida pelos doces e biscoitos de goma que vendia na feira aos sábados.
Resolveu então buscar ajuda dos vizinhos pra botar energia na sua propriedade. Tinha ouvido falar de uns espelhos que o pessoal da cidade instalava no telhado e que fornecia eletricidade usando o sol, além de aquecer a água de dentro da casa. Não acreditava muito não, mas tinha ouvido na vila, quando esteve na mercearia do seu Manoel, que o tal do espelho que se colocava no telhado e através da luz do sol, gerava energia elétrica. Era difícil de acreditar, mas, ia atender os pedidos da sua senhora, que queria luz na casa. Um pedido de Neinha era uma ordem. Sabia que uns homes da cidade tinham ido lá mostrar os benefícios e propor a instalação. Queria ver, para crer. Tinha que ter algum segredo ali. Por mais que pensasse no assunto não achava resposta.
No sábado, dia da feira, lá estava nhô Bento e dona Neinha montando a barraquinha com os produtos. Ficaria na feira até metade da manhã e depois iria ver com seu Manoel os contatos dos homes que fazia a tal da instalação.
No horário estimado, se despediu da mulher e rumou pra venda. Lá estavam a maioria dos pequenos agricultores da região. Se queriam notícias, novidades, era ali o melhor lugar para se informar.
Se aproximou do balcão depois que cumprimentou os conhecidos e foi logo falando. – Manoel, aqueles homes da cidade que estiveram por aqui uns dias atras, que colocam aqueles espelhos no telhado para gerar energia, você tem o contato deles?
- Oxente compadre!? Tenho sim! Eles estão até por aqui, fazendo uns serviços lá na prefeitura. Disseram que vão ficar a semana toda. Mais tarde vão almoçar aqui e aí o senhor fala com eles.
- Não sei se vou vir mais tarde aqui. Eu e Neinha temos muita coisa pra fazer e ela não tá muito bem de saúde. Assim que terminarmos, vamos direto pra casa. Você pode dizer a eles que quero saber mais sobre os espelhos de energia. Pede pra irem lá na minha rocinha. Essa semana vou concertar a cerca que arrebentou em alguns pontos por conta da queda de árvores.
- Pode deixar nhô Bento. Fique tranquilo que eu mesmo levo o pessoal lá. Melhoras para dona Neinha.
Recado dado, voltei para os afazeres que precisava realizar até a hora da volta pra casa. Passei na praça e de longe vi o tal do pessoal, colocando os espelhos no telhado da prefeitura. Fiquei um tempo observando o movimento deles e tentando imaginar como aquilo iria produzir energia elétrica?
Fim do dia, já estávamos em casa. As vendas na feira foram boas. Melhores que na semana anterior. Neinha estava organizando as coisas que compramos na vila e eu ia ver os animais, colocar água pra eles e encher o tonel e o tanque de água da casa para os afazeres domésticos.
Terminada as tarefas, como de costume, eu e Neinha ficávamos na varanda, conversando e olhando o céu noturno, que naquele ano proporcionava um brilho especial. Coloquei a par das novidades que tinha ouvido na vila e ela fez o mesmo, ao contar os que os feirantes falaram. Falei da visita do pessoal para ver a possibilidade de colocar energia pra gente. Restante do tempo, ficamos juntinhos, tomando um cafezinho quente feito na hora.
Eram umas dez horas da manhã de domingo, tínhamos acabado de chegar e desmontar a pequena carroça que nos levou à missa dominical. Era um grupo de três pessoas e à Frente o compadre Manoel. Foi ele que se adiantou ao grupo e falou: - Bom dia Nhô Bento. Bom dia, Dona Neinha, com esta a senhora? Esses são os moços da cidade que fazem os serviços de eletricidade. Vieram para conversar com o senhor.
-Sejam bem-vindos. Vamos entrar e tomar um cafezinho com um bolo que Neinha fez. Vocês vão adorar! Não conheço ninguém na região que cozinhe como ela. Durante o café agente conversa.
Todos foram para a varanda e durante o lanche da manhã, o Senhor Jeovane, dono da empresa, fez a explanação.
-Nhô Bento, o que o senhor chama de espelho de sol são na verdade placas fotovoltaicas, constituída de semicondutores que são sensíveis a luz do sol. Não é nada novo. Já existe a muito tempo, aplicadas em outras áreas do conhecimento. Atualmente, essa tecnologia está sendo amplamente usada como fonte alternativa na geração de energia limpa, sustentável e ecologicamente correta. Faz parte do movimento conhecido como energias renováveis.
- Moço, essa modernidade toda não compreendo direito. Vamos devagar pode ser? Retrucou Nhô Bento com bom humor.
- Sem problemas! Serei o mais simples possível. O sol carrega uma quantidade e variedade muito grande de energia. Uma delas, os Fótons, podem gerar eletricidade. O que as placas fotovoltaicas fazem é aproveitar esses fótons e convertê-los em eletricidade. Também podemos utilizar o calor do sol que chega as placas e usar para aquecer a água através de um boiler. Um boiler é um recipiente térmico que armazena água aquecida pelas placas. É um sistema.
O senhor pode ter as duas situações aqui em sua casa. Gerar energia e aquecer água. Já sei que o senhor não tem energia elétrica e muitas das atividades são feitas de forma mecânica e manual.
Podemos avaliar sua situação, construir um projeto para o senhor, ver a viabilidade que possa se ajustar às suas necessidades.
- Moço, quero fazer algumas coisas por aqui sim. Mas, vou logo lhe dizendo. Não tenho recursos para bancar algo caro.
- Não se preocupe nhô Bento. Faço o projeto baseado no que o senhor tem de necessidade hoje e futura e dou o suporte em todas as fases do financiamento dos recursos para implantação, caso o senhor aprove.
- Combinado meu jovem. Eu e dona Neinha aqui, já merecemos usufruir dessa modernidade a muito tempo...
Oito meses depois, a roça do nhô Bento estava indo de vento em popa: iluminada, com uma geração conhecida como off grid, com captação de água para a irrigação da pequena lavoura e abastecimento dos coxos dos animais e da casa através de bombas elétricas, e com aquecimento de água em todas as torneiras da casa, dona Neinha não cabia de contentamento. Com a visão empreendedora do casal, foi montada uma chocadeira, também aproveitando o sistema fotovoltaico, o que rendeu uma receita extra que se somou com o fornecimento de energia para dois vizinhos que não tinham eletricidade instalada, mediante pagamento de um valor acordado pelo kw consumido no mês.
O casal não escondia a satisfação com os resultados obtidos da instalação e, o nhô Bento, fazia questão de mostrar todo o sistema para os vizinhos que ainda não conhecia, buscando incentivá-los no processo de aquisição além de contar as histórias que surgiram antes, durante e depois da instalação dos espelhos de sol em sua propriedade.