Piquet
O carro da frente, como uma sombra densa, teimava em permanecer ali, inamovível como uma montanha, forçando o piloto de trás a se alinhar com o abismo. O asfalto, estreito e cortante, parecia uma corda bamba entre a vida e a morte. Cada segundo mais apertado, mais sufocante, como se o piloto estivesse caminhando por um fio, com o precipício à sua esquerda e a velocidade, como uma fera faminta, a empurrar. O medo de se perder na curva era um peso, mas o medo de não tentar, de ser engolido pela inércia, era ainda mais imenso.
O outro piloto à frente, tão seguro em sua prisão de ferro, era o reflexo de todas as promessas não cumpridas. Ele não era mais um adversário, mas um símbolo do próprio destino que o segurava em uma quietude mortal. Não havia espaço para a fuga. O piloto de trás olhou para aquela figura, aquele obstáculo fixo, como uma linha tênue entre a liberdade e o fim. Cada milímetro daquela pista era uma batalha entre a coragem e o desespero.
Duas voltas, duas eternidades. A mente, exausta pela frustração, encontrou uma estratégia não nas pernas, mas na mentira. Como um espelho quebrado, o piloto fingiu que sua alma corria em uma direção, enquanto o corpo seguia outra. A pista era agora um palco, e ele, o ator que se iludia a si mesmo. Uma finta, uma dança de sombras. O outro, preso na sua própria lógica, acreditou. Como uma marionete que não sabe que os fios estão sendo cortados, ele se abriu, deixando a brecha entre os corpos.
Então, a linha curva apareceu diante dele. Não era mais apenas uma estrada; era o próprio curso da existência, dobrando-se sobre si mesma, apertando a alma em um ponto de não retorno. Ele se colocou, não como um corredor, mas como o eco de uma alma perdida, emparedando o outro, como se a própria pista fosse um labirinto sem saída. O que parecia impossível se fez real. Ele avançou, o metal deslizando sobre o asfalto, cortando a pressão do ar como uma faca na carne.
Mas a ultrapassagem foi mais do que uma simples vitória. Foi um grito no vazio. O carro à frente se dissolveu em algo abstrato, não mais um adversário, mas uma lembrança de todos os obstáculos não resolvidos. O piloto, agora na frente, não sentiu a alegria da conquista, mas o peso da solidão, como se a corrida nunca tivesse sido contra o outro, mas contra as correntes que prendem a alma a um destino comum e vazio.
No fim, a pista não importava mais. O que importava era que ele havia atravessado a linha, mas a linha nunca foi o fim. Ela era apenas mais uma borda, e a vida, sempre se curvando à frente, seguia.