O cozinheiro
aprendiz
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 24 de dezembro de 2024
José Airton acordou às 5 horas da manhã daquele dia calorento. Fazia tempo que não chovia na cidade em que morava. O ventilador rodava suas pás na velocidade máxima, espalhando um vento bochorno, deixando seu quarto abafadiço. Mesmo assim, achava que não deveria sair da cama, precisava continuar dormindo. Seu signo, lido no dia anterior, não indicava boas coisas para ele. Não se lembrava de todo o sonho que tivera durante a noite, mas sabia que não fora nada agradável algumas passagens que recordava. Sua mulher já havia saído para trabalhar, não se importando qual hora o marido se levantaria e ia para o seu ateliê. O homem era patrão dele mesmo, assim poderia chegar a qualquer hora no serviço, pensava a mulher, não valia a pena fazê-lo levantar, era procurar mais uma briga. Ele trabalhava desenhando e confeccionando peças íntimas para mulheres, que eram vendidas para comerciantes locais. Mas as coisas não iam lá muito bem, daí o desinteresse do marido sobre o seu ofício, queria mudar de ramo, com o que a mulher não concordava.
Lá pelas tantas daquele dia, a esposa telefonou para José Airton, solicitando o seu comparecimento no trabalho dela, pois o patrão precisava falar-lhe sobre uma possibilidade de emprego. Ele esqueceu as recomendações de seu horóscopo, levantou-se ligeirinho e em poucos minutos estava na porta do hotel onde a mulher trabalhava.
─ Bom dia, amor! Sobre o que o senhor Carlos quer falar comigo?
─ O cozinheiro do hotel pediu demissão, e ele precisa rapidamente de um substituto. Ele me perguntou e eu disse que você sabe cozinhar.
─ Tu és doida, mulher, eu só sei fazer o trivial?
A esposa calmamente explicou qual a situação, dizendo que o hotel estava lotado e o homem estava quase para ficar louco, pois já havia telefonado para algumas pessoas, oferecendo a vaga, mas não encontrou ninguém que aceitasse.
─ Faz muito tempo que eu não entro em uma cozinha propriamente dita. O que eu cozinho lá em casa é feijão, arroz, macarrão e carne.
─ Você tem um tempero gostoso. Além disso, eu tenho um caderno, que foi de minha mãe, que por sinal cozinhava muito bem, e você pode utilizá-lo para fazer os pratos que os hóspedes solicitarem. Lembre-se que estarei aqui para o ajudar. O cozinheiro daqui vai ficar mais uns cinco ou sete dias trabalhando, dá para você acompanhá-lo e aprender alguns macetes. Ele é uma boa pessoa e gosta de ensinar.
José Airton, mesmo em ambiente de ar-condicionado, suava em bicas, tremia qual vara verde. Tinha medo de que aquela tentativa de deixar de ser patrão, poderia comprometer o emprego da esposa, seriam dois desempregados. Sentado desconfortavelmente em uma velha cadeira de madeira, defronte de sua esposa, que também não estava muito certa de que aquela comédia daria certo, ele esperava impacientemente. De vez em quando a esposa olhava para ele, e como querendo acalmá-lo, dizia:
─ Seu Carlos já está chegando, em poucos minutos entrará por aquela porta. O escritório dele é essa sala ao lado. Fique tranquilo, vai dar tudo certo.
Alguém, pelo lado de fora, mexeu na maçaneta da porta para abri-la. José Airton se ajeitou todo, tentou ficar aprumado e de cabeça erguida. Quando a porta foi aberta, era uma garota trazendo alguns papéis que os passou para Ângela, a esposa do pretendente à vaga de cozinheiro do hotel.
Passado o susto, o homem voltou a ficar descontraído, relaxado, procurando se comportar normalmente, como se fosse senhor da situação. Mas, a cada passo vindo do corredor que levava ao ambiente onde ele se encontrava, voltava a tremedeira, o medo, aumentando a ansiedade e o mal-estar.
Em determinado momento, não aguentando mais essa expectativa, dirigiu-se à esposa, e falou:
─ Vou desistir, não suporto essa espera.
─ Calma, homem, ele já vai chegar, às vezes ele demora um pouco, mas não deixa de vir. Sente-se que ele não demora.
Cinco minutos depois a porta se abriu e um senhor de baixa estatura apareceu, deu bom dia e dirigiu-se à sua sala. Apertou o interfone e solicitou que a pessoa que o esperava, entrasse.
José Airtom entrou, ficaram conversando de porta trancada por mais de trinta minutos. Depois disso, o Airton saiu apressado daquela sala, cabisbaixo, sério, olhou na direção da esposa, e antes que ela falasse alguma coisa, foi em direção à porta de saída, voltou-se e disse:
─ Espero você em casa, temos que conversar.