1211-PRIMEIRO DIA DE TRABALHO

Carlos saiu de casa ao primeiro clarear do dia, mergulhado na bruma de uma manhã típica de julho. A chuva fina e fria encharcava suas roupas, infiltrando-se até os ossos, enquanto ele avançava pelo caminho que, sob a tempestade, parecia mais um riacho raso. A fábrica de móveis, distante do lar e dos ecos familiares, aguardava-o do outro lado da rodovia, que serpenteava como um espelho distorcido da vida. A imposição do pai ecoava em sua mente; uma tradição de madeira e serragem, um legado que o puxava para fora do abrigo do lar, onde a convivência e as mutretas do ofício se entrelaçavam.

— Va trabalhar fora, em outra oficina, prá conviver com colégas, aprender as mutretas do oficio, ver como é a vida fora de casa.

Concordou com o pai e foi

Ao chegar à Fabrica de Móveis Estilo, foi recebido pelo Sr. Braga, cuja simpatia parecia um bálsamo em meio à tensão do desconhecido. Simpatia brotou entre ambos, o gerente e novo empregado.

Carlos foi encarregado de cortar tábuas em finas ripas, a leve serra circular girando como um carrossel inquieto em suas mãos inexperientes.

Um deslize e o sangue brotou, interrompendo a dança das serragens. Um pequeno corte, superficial, Logo apareceu o Sr. Braga que, com a calma de quem conhece as tempestades, mandou buscar remédios, algodão e etrechos necessários para fazer o curativo enquanto as risadas dos colegas se misturavam ao cheiro da madeira fresca.

Depois de acabar o curativo, Sr. Braga disse

— Pode voltar pra casa, vai repousar.

— Qual o quê, seu Braga. Estou bem, vou continuar trabalhando

O almoço foi um ritual de pão com linguiça, levado de casa, preparado pela mãe, cercado pelas brincadeiras que ecoavam como risos de gozação, de gente grande brincando com um guri.

Trablhou até as 5 horas. Voltou para casa com três colegas, atrás de mais de uma dezena que iam na frente. Ao atravessarem o campinho de capim barba-de-bode, um alvoroço na turma que ia na frente.

Gritos, corre corre, alguns chegaram á rodovia e pediam para viaturas parar.

— que foi? Eu aconteceu?

— Uma jararaca picou o Laureano.

Uma camioneta parou e colocaram Laureano na carroceria

— Depressa pro hospital – gritou um deles, que entrou na cabine do veiculo.

Lá se foi Laureano para o hospital, , gemendo, enquanto a vida ainda pulsava em sua fragilidade.

Ao chegar em casa, ainda atordoado, Carlos enfrentou as perguntas da mãe, sua voz hesitante deslizando pelo ar.

Á mesa do jantar, a, mãe erguntou-lhe como tinha sido seu primeiro dia de trabalho.

— E então, como foi? — indagou ela, com os olhos esperançosos

— — Trabalhei bem, tudo normal — ele respondeu, mas a palavra "normal" soou como um eco distante, um prenúncio de que a vida, agora, dançava em um compasso diferente, longe das serras e das memórias

— Normal? — questionou o pai,levantando a sobrancelha esquerda, com seu olhar profundo, analitico, como se desvendasse a verdade escondida por trás das palavras familiares.

—É... é... um pouco diferente do que trabalhar aqui em casa, na sua oficina.

E Carlos, naquele instante, soube que o seu primeiro dia de trabalho era apenas o início de uma nova narrativa, onde os riscos da vida se entrelaçavam com o cotidiano, e a madeira não era apenas matéria, mas testemunha das transformações do ser.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 22 setembro 2024.

Conto 1211 – Primeiro dia de Trabalho da série INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 21/12/2024
Código do texto: T8224036
Classificação de conteúdo: seguro