Mais um dia se foi, e ela estava ali. Parada. Pensando, solitária, na maca do hospital. Sentia frio. O vestido longo e preto não era suficiente para aquecer o corpo, nem a alma.
Mais uma vez, a lembrança da inutilidade a assombrava. Não era útil para nada, nem para ninguém. Um nó se formou na garganta, a maçã do rosto esquentou e os olhos se encheram de lágrimas. Pensou em chorar. Desabar.
Não conseguia ler os livros que havia enviado para o Kindle. Nem sabia como concluir ou revisar os textos que começara. A imagem da estante de livros empoeirada, abandonada em casa, lhe veio à mente. Não tinha ânimo para limpá-los, muito menos para lê-los.
Sentia-se como uma narradora onisciente neutra de sua própria vida, observando-a de fora, sem interferir.
Sua rotina era uma repetição mecânica: levantar-se, tomar café, escovar os dentes, tomar banho, comer um pouco, ir ao médico, voltar para casa. Escondia-se no quarto. Dormia. Acordava. Tentava ler, mas as palavras fugiam. O pijama velho e desgastado continuava a ser seu uniforme diário.
Até que um dia, acordou. Olhou para o vazio e se deu conta: o problema era pensar demais. Pensar no que não disse. Pensar no que disse. Pensar no que deixou de fazer. Pensar no que ainda poderia fazer. Os pensamentos se embaralhavam, incessantes, como um ruído que não cessava. Ela precisava parar. Precisava olhar para si mesma com clareza.
Naquele instante, deitada na maca fria do hospital, tomou uma decisão. Sozinha, sem um alento ou uma palavra amiga. Pensou nas vezes em que havia estendido a mão para os outros. Por que, agora, estava só? A resposta veio como um sopro: ninguém sabia. Ela não havia dito nada. Como poderiam ajudá-la se não conheciam sua dor?
Então, ali, naquele silêncio tão familiar, decidiu fazer as pazes com a preocupação.