O ambientalista

Quando criança Samuel vivia no subúrbio de uma grande cidade, em um lugar de gente pobre, com ruas de largura desigual, ora muito estreitas, ora muito largas, com casas simples e paisagens tortuosas. Esse subúrbio abrigava gente sofrida, trabalhadora e sem futuro. As pessoas apresentavam uma certa indulgência de infelizes e muita amargura por esta vida sem perspectiva, cheia de carências e tristezas. Dentro de uma aborrecida paisagem, sempre as mesmas fisionomias, era assim que a vida passava naquele espaço em que ele habitava.

A família de Samuel, era composta de mãe, pai falecido e dois irmãos, sendo uma irmã e um irmão. Sua mãe, Débora, não tinha uma profissão, trabalhando como cozinheira ou mesmo empregada doméstica. Seu salário era exíguo, mas era com esse dinheiro que mantinha sua casa e família. Seu marido faleceu e não deixou pensão, pois também não tinha trabalho fixo e vivia de subempregos. Após o falecimento do marido ela vivia taciturna, sempre preocupada em como sustentar os filhos. Débora sempre os ensinava a necessidade de economizar: não deixar a luz acesa ao sair de uma peça da casa, economizar água no banho ou lavando os pratos na cozinha e também não desperdiçar comida, que já não era muita. Apesar das poucas oportunidades que a Débora teve na vida, ela aprendeu questões importantes, através de observações e vivência do mundo, que a ajudariam a ter uma percepção da realidade diária, que muitas pessoas não tinham, até mesmo as mais pobres. Assim, foi incutindo nos filhos essa sabedoria!

Levavam a vida, nesse sacrifício, com falta de dinheiro e com dívidas na venda próxima da sua casa. Sempre que necessitava, comprava fiado na venda do seu João, que fora muito amigo do seu marido. Desta forma, passava o mês e podia, na ausência de dinheiro, principalmente no final do mês, comprar alguma comida para casa até o próximo salário.

Na venda, entre todo aquele pessoal tão especial e curioso das vendas suburbanas sobressaiam carroceiros, verdureiros, carvoeiros, habitués da cachaça, conversadores da vizinhança. Toda essa gente sem ter que fazer, que não se sabe como vive, mas que vive honestamente, um ou outro degradado, entre todo eles. Essa era a venda onde Débora pedia para um de seus filhos comprar fiado, algum produto ou alimento que ela necessitasse. Geralmente era a Samuel que ela encarregava de fazer as compras.

Débora sonhava em ver os filhos estudando para melhorar de vida no futuro e sempre falava isso para os meninos, que a olhava com uma certa indagação, mas não falavam nada. Levava a vida nesse sacrifício financeiro, com os filhos estudando em escolas do município. O Samuel era o mais dedicado, mas todos estudavam, frequentavam a escola e sempre concluíam os anos escolares, sem grandes alardes. Débora, mesmo que com pouco estudo, procurava acompanhar as atividades escolares dos seus filhos.

Samuel era um menino franzino de quatorze ou quinze anos, triste, retraído, a quem os folguedos colegiais não o atraíam. Não era visto nunca brincando ou brigando. O seu grande prazer era a leitura e, dos livros, os que mais gostava eram aqueles sobre aventuras que ele encontrava na carente biblioteca da escola. Nenhum colega o convencia a mudar sua postura, mas todos o estimavam, talvez por ser tímido e generoso, ainda que ninguém o entendesse, nem as suas leituras. Ele vivia consigo mesmo, cercado com seus sonhos e muita introspeção.

Dois professores gostavam muito do Samuel. Por ser um aluno inteligente, dedicado, disciplinado e sempre fazendo excelentes trabalhos e obtendo excelentes notas nas provas do seu ano letivo, esses professores o acolhiam. Os professores de biologia e física, via nele uma faceta diferenciada, que necessitava ser incentivada, para não desistir dos estudos. A professora Lívia, professora de biologia, o convidou para participar de uma palestra sobre questões ambientais, que ocorreria no colégio. O incentivou mais em relação aos demais alunos, por perceber os seus interesses nas questões relativas à natureza, conteúdos que estava sempre indagando. Já o professor Zé da gravidade, assim era seu apelido, sempre o chamava para jogar xadrez e ajudá-lo em um pequeno laboratório que ele, o professor, conseguiu adquirir, para suas aulas práticas. Assim, Samuel se mantinha motivado na escola com seus afazeres...

Com o passar dos anos, mais velho, se apaixonou pela natureza. Fascinava os bramidos das grandes cachoeiras, o marulhar das vagas, o ganido dos ventos intensos e tormentosos, o roncar dos trovões, os desastres naturais, tais como secas extremas e inundações incontroláveis. Se apaixonara por todos esses sons, esses ruídos...

Finalmente, Samuel entrou na universidade! Sua mãe, muito orgulhosa o olhava com carinho e felicidade. Samuel cursou Engenharia Ambiental em uma universidade pública. Durante o curso obteve bolsa de iniciação científica, que o ajudou muito nos deslocamentos para a universidade. Não era muito o valor da bolsa, mas no segundo ano começou a fazer estágio remunerado. Desta forma, logrou concluir o curso.

Um dos professores do Samuel, o convidou para fazer o mestrado com ele. Selecionado para o mestrado em questões hídricas, conquistou uma bolsa de estudo e, em dois anos, terminou o mestrado. Já podia ajudar a mãe em casa. Imediatamente compreendeu que deveria dar sequência aos seus estudos, fazendo o doutorado. Sua mãe considerava que Samuel já havia estudado muito e deveria arrumar um trabalho. Foi necessário que Samuel sentasse com ela e explicasse que não poderia parar agora, que em pouco tempo eles estariam vivendo em uma situação financeira melhor. Concluído o doutorado, Samuel prestou concurso e entrou em universidade pública conceituada, tornando-se professor e pesquisador dessa Instituição.

Samuel se envolveu, cada vez mais, com as questões ambientais que o angustiava. Se preocupava em ver a Amazônia sendo queimada, o pantanal sendo desmatado, perdendo sua biodiversidade, o cerrado sendo transformado em plantação de pastagem, os recursos hídricos perdendo suas águas e procurava sempre passar as informações que obtinha, no programa de pós-graduação, mesmo na graduação ou em palestras que era convidado a participar.

Se especializou em recursos hídricos, participando de diversos projetos nessa área, além de eventos científicos nacionais e internacionais. Começou a participar do programa de pós-graduação envolvendo-se de forma definitiva com a universidade.

Mudou-se para um bairro de melhor nível, com ruas calçadas, arborizadas e levou sua mãe para morarem juntos. Seus irmãos terminaram o ensino médio diante de muito conselho da sua mãe, mas depois abandonaram os estudos. A irmã se casou e trabalhava no comércio, ganhando um pouco mais que o salário mínimo. O casamento não ia nada bem. O mesmo aconteceu com seu irmão.

Muitas vezes Samuel refletia sobre as condições que o levara a estudar e ser bem sucedido profissional, enquanto seus irmãos se internaram em uma situação completamente diferente. Ele venceu os obstáculos, que, a princípio, pareciam intransponíveis. Seu irmão jogava sinuca e bebia com os amigos, nos finais de semana, enquanto ele levava sua mãe para jantar em um bom restaurante, algumas vezes nas noites de sábado. Ele planejava casar, enquanto seus irmãos já estavam casados e infelizes nas suas relações amorosas. Ele aceitou os conselhos da sua mãe, que fez todos os esforços para mantê-los estudando, enquanto seus irmãos resolveram que já bastava os estudos e necessitavam ganhar a vida, provocando múltiplos insucessos para eles mesmos, através do facilismo na obtenção das coisas sonhadas.

Samuel refletia sobre a linha tênue entre fracassos e sucessos e percebia como sua mãe fora importante, assim como seus professores, mas a sua persistência, a sua disciplina foi a mola propulsora para essa caminhada...

JTNery
Enviado por JTNery em 17/12/2024
Código do texto: T8221240
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