Uma manhã bela e diferente

Gilberto Carvalho Pereira - Fortaleza, CE, 17 de dezembro de 2024

Uma vez, perdido na cercania de uma pequena cidade, resolvi entrar em um caminho, que parecia ser uma estrada esquecida pelos políticos. Eu estava à procura de um acesso mais curto, pois tinha um encontro com o prefeito local, que me contrataria para um trabalho temporário. Dirigi por uns quatro quilômetros, enfrentado uma buraqueira danada, não havia acostamento, não via vivalma. Um lugar completamente deserto com terrenos abandonados e quase nenhuma vegetação. Ao dirigir por mais alguns metros, à procura de espaço para fazer a manobra e voltar para o início da estradinha, se é que assim podemos classificar aquele caminho, cujo espaço de rodagem era coberto por mato, avistei uma área com vegetação e canteiros de flores, bastante cuidados. Uma pequena casa estava ali fincada.

Alegre, aumentei a velocidade do carro, para encontrar uma entrada e tentar informações de como chegar mais rápido ao meu local de destino. Entrei, e fui em direção a um idoso que acabara de chegar à porta da velha casa, para saber quem era aquele que acabara de invadir o seu espaço, sem permissão.

─ Bom dia! -, disse o homem que acabara de me abordar ─ O senhor está procurando alguma coisa por esses lados, perdido no mundo?

─ Bom dia, gostaria de saber se mais adiante tem uma estrada melhor, que me faça chegar mais rápido à Cerejeira, cidade que tenho o encontro com o prefeito de lá. Eu sabia que estava perdido, então entrei.

─ Essa estrada é sem saída. Poucos carros entram nela, não tem mais nada para o lado de lá, - disse o idoso, apontando no rumo que eu ia, - a não ser uma grande área de terra, de um político, que também não tem nada plantado. Ele espera por um projeto para plantio irrigado, não sei de quê.

─ Acho que não conseguirei chegar a tempo para a entrevista com o prefeito, e estou cansado e com sede.

─ Desça, se aprochegue. Falou o velho senhor, já indo em direção à casa.

Acompanhei-o, passando por um caminho com rosas e outras flores. Delas, exalavam um perfume bastante agradável, e o vento que soprava, as levavam a bailar em uma coreografia graciosa, tal e qual, bailarinas pubescentes.

Vendo aquele senhor de idade avançada, disposto e com vontade de prosseguir na vida, embora morasse naquele lugar sem futuro, bateu-me a curiosidade de conhecê-lo melhor, reação própria de jornalista, que de fato sou, mas escambando para o lado da composição literária. Sem medo, prossegui.

Entrei em sua casa, sentei-me em um banquinho oferecido pelo gentil homem, que logo trouxe a água por mim solicitada. Fui direto ao assunto de minha impaciente curiosidade:

─ Por que o senhor ainda mora aqui? - perguntei de imediato.

─ Esse terreno pertence à minha família, desde o meu trisavô. Depois o bisa; meu pai e agora eu. Todos trabalhavam com carvão, que era entregue aqui na porta, a quem vinha buscar. Aqui havia muita mata, ideal para a produção de carvão. Nunca tivemos título, já quiseram tomar essas terras, o político que tem terra adiante. Ainda não conseguiu!

─ E essas bonitas plantas, você quem cuida delas?

─ Primeiro foi minha filha, que ficou órfã de mãe ao nascer, minha mulher morreu de parto. Rosa Maria, que ficou sendo cuidada por minha mãe, achou algumas flores por aí e plantou. Ela adquiriu esse gosto, foi criada solta, ninguém passava por aqui, Não ia para a escola, estudava com a avó, que também aprendera a ler com a mãe. Era uma menina formosa e alegre.

─ Era? – perguntei eu.

─ Sim. Quando completou 14 anos, passou a ir para a escola. Um dia não voltou, achamos que fora sequestrada. Ficamos desesperados, passamos a procurá-la por todo os lugares. Então, fiquei cuidando do jardim onde ela plantava, o que fazia com muito carinho. A menina até conversava com as flores. A desgraça se abateu entre nós, minha mãe até hoje encontra-se prostrada em uma cama. De tanto procurar por Maria Rosa, às vezes até noite adentro, adquiriu uma doença, que não para de tossir. Hoje, vivo de vender suas rosas. Há um comprador certo, que quinzenalmente passa por aqui. Parte do pagamento é feito com mantimentos e remédios. E assim vamos levando a vida.

Tudo anotado em meu caderninho, solicitei orientação para voltar, satisfeito por ter uma bela e triste história sobre resistência, para contar. Foi uma manhã de paciência e enriquecimento d´alma.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 17/12/2024
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