O Escaravelho em seu Universo
A Terra gira sobre o próprio eixo, se movendo ao redor do Sol que viaja pela galáxia, afastando do ponto de densidade infinita lançada pelo universo, vagando a 850 quilômetros por segundo através do cosmos.
Eu me mantenho agarrado a minha xícara de café como quem segura num mastro de navio em tempestade. Inerte nesta sala, com o olhar fixo, sentindo a atmosfera densa como a gravidade de uma estrela de nêutrons. O vapor quente embaça meus óculos, o café tem um leve sabor salgado devido as lágrimas que nele se dissiparam.
Meus sentidos são aflorados, como se toda a tração que pulsiona o universo corresse sobre as veias, uma catástrofe interna, cada célula se agarra a outra tentando não sucumbir a esta força que se expande. Queria levantar e sair mas sou pequeno e a liberdade do outro lado da porta me apavora, um microcosmo de inferno que se aloja em mim. Estou em declínio com minhas incertezas, me reagrupando em novos dilemas numa constante eterna.
Há um escaravelho no chão de barriga para cima e sempre que vejo um penso em Maiakovski, ele fez um poema. Não, foi uma peça eu acho. Na verdade era percevejo de Maiakovski, não escaravelho. Inseto burro, numa luta contra sua própria natureza, tentando se voltar à posição normal, se recompor e seguir seu caminho instintivo, fica ali mexendo as pernas como quem caminha no ar. Milhões de anos de evolução da espécie e não conseguiu aprender a se virar? Talvez seja o piso de cerâmica que destoa da sua natureza, um território hostil onde a aderência de suas patas e sua forma côncava não permitem que se firme, por isso tomba e espera até que a providência se faça com a morte ou uma força exterior o salve.
No seu espaço ele é versátil, forte, consegue erguer muito mais que seu peso, contribui para o ecossistema. Dei uma força e ele seguiu mas no primeiro rejunte caiu de novo, um ponto minúsculo sujeito ao esmagamento, presa fácil de outros animais, sofrendo num habitat estranho, longe daquilo que o torna natural, só um besouro de barriga pra cima que grita num silêncio abafado, incapaz de um simples movimento.
Num lapso de prepotência pensei em esmagá-lo, seria tão rápido que sequer perceberia. Talvez preferisse a morte súbita a uma luta tão patética. Mas como o deus benevolente que sou, que ele sequer sabe da existência e o poder de decisão sobre sua vidinha frágil, apenas o coloco na posição para seguir adiante, talvez movido por um desejo inconscientemente perverso de vê-lo fracassar novamente.
Penso se ele conhece a imensidão do cosmos e sua relativa insignificância. Será que de algum modo ele sabe que sua composição é de gases vindo do espaço? Que pertence ao um reino animal com outras espécies, que toda vastidão ao seu redor é apenas um pedaço de algo maior, absurdamente grande e incompreensível para ele, mas ínfimo e desvendado para outras formas de vida? Talvez ele acredite no deus escaravelho, ou uma crença que explique de maneira simples aquilo que não pode entender. E perecer deitado no solo frio seja uma forma de inferno.
Assim como ele, patino fixo no tempo de barriga pra cima, mesmo ciente da relativa insignificância oscilando minhas crenças, na vã esperança de que esteja errado, que haja propósito, uma missão ou objetivo que fez gases nobres se acumular no ventre de uma fêmea e conceber-me.
Talvez deva enaltecer o criador de todas as formas e rezar para que uma alma genuína me vire de barriga para baixo, para que possa tentar novamente seguir nesse território hostil. Ou que por ira repentina, esta força maior que me assiste, perplexo ante a minha incapacidade de reverter a situação, esmague-me e coloque fim a esta agonia insossa de uma vez