A professora do sexto ano falou inúmeras vezes que bullying é ilegal e desumano, pois submete alguém ao ridículo e provoca sofrimento. Mas parece que Santino fingia não ouvir, pois sentia prazer em diminuir Tonico diante dos colegas de classe.
Todos os dias, o menino, que não fazia jus ao nome, inventava uma espécie de “piada” para diminuir o outro: “tampinha”, “burro”, “pitoco”, “sibito” e uma série de nomes que compunham o acervo de sua criação perniciosa. Isso ainda era o de menos, porque na hora do recreio a intimidação conseguia ser pior: um empurrão daqui, uma cama de gato dali e uma série de risos contagiosos acolá.
Assim, na velocidade com que o problema se firmou, Tonico passou a se chamar Nico, ia diminuindo por dentro e por fora como uma árvore que cresce inclinada, não como reverência ao Sol, mas como gesto de inferioridade suprema, sem a aparência imponente de quem se ergue.
Um dia, Tonico sentiu-se mal, desejou ter faltado, mais uma das sucessivas faltas para seu histórico escolar não faria tanta diferença. Tudo porque durante a aula de Arte, a professora resolveu falar sobre o assunto de uma forma dinâmica: “Hora de colocar-se no lugar do outro”, e pediu que os alunos desenhassem um autorretrato interior, seguido de uma descrição de sentimentos.
Santino, o centro das atenções, caprichou no desenho, aguardando o grand finale de sua apresentação... Porém houve mudança na condução dos trabalhos, todos deveriam trocá-los e, posteriormente, lê-los em voz alta. Por isso ninguém esperava... Santino recebeu das mãos de Tonico o produto do seu constrangimento. Segue a descrição: “Eu ainda sou um ponto que resiste à eficiência de uma borracha, eu sou o efeito do vale tudo na humilhação desonesta e imoral de um amigo que sempre quis ter...”
Envergonhado, Santino diminuía a cada ponto que via no entorno daquela sala. Sentiu-se diferente, sufocado com as ironias desprovidas de sentido que lhe sobrevieram na memória, incerto se havia esperança de voltar a se sentir como antes. Terminada a apresentação, perdeu a audição dos aplausos, e tremia feito bambu em vendaval. Bambu não, palmeira inclinada que resiste à velocidade do vento. Finalmente, colocou-se no lugar do outro.