POR DEBAIXO DOS PANOS
O restaurante Siciliano se instalou no Leblon, Zona Sul carioca, ainda na década de cinquenta, quando o bairro ainda sofria influência das favelas instaladas a beira da Lagoa Rodrigo de Freitas (Praia do Pinto, Ilha das Dragas e Piraquê) em terrenos públicos de áreas valorizadas e que de tabela jogavam para baixo o preço de imóveis no Leblon e também impediam a conclusão das duas Avenidas (Epitácio Pessoa e Borges Medeiros) que circundam a lagoa.
O governo militar que desde o golpe de 1964 elegeu como meta prioritária das políticas sociais a remoção de favelas da Zona Sul.
No caso do Leblon, forjou-se um incêndio dada a grande tensão local, com resistência de moradores, prisão de líderes comunitários e remoções em outras favelas da cidade.
O incêndio provocado destruiu pelo menos mil barracos, deixando mais de nove mil pessoas desabrigadas. As vitimas foram transferidas para conjuntos habitacionais da Cidade Alta, Cidade de Deus, Cordovil, abrigos provisórios da Fundação Leão XIII e também para o recém construído conjunto da Cruzada São Sebastião, considerado hoje uma espécie de cárie no belo sorriso do Leblon.
O cardápio do Siciliano se restringia a massas, mas que massas! A entrada já mostrava seu diferencial entre congêneres. Difícil mesmo era escolher a massa e posteriormente o molho que acompanharia o prato. Ao final, chegava a hora das sobremesas locais, sempre acompanhadas de um sorvete prá lá de especial.
Não era para menos, dificilmente você encontraria uma mesa vazia nos tradicionais horários de refeições. Em finais de semana, filas eram uma constante a ser enfrentada diante do Siciliano.
Existe uma teoria que afirma com todas as letras que: “esse é o setor de comércio que mais se sente penalizado por furtos, toda cadeia alimentar desse negócio permite que espertinhos de plantão se criem, sendo bastante difícil controlar todo percurso do negócio”.
O primeiro momento de interferência se inicia na compra da matéria prima, fornecedores invariavelmente usam e abusam nesse seu papel de atravessadores e sobretaxam produtos, alegando crescentes custos de transportes e pessoal.
Depois que mercadorias estão estocadas, entra em ação outra possibilidade de danos, os constantes furtos de alimentos por funcionários, que a princípio deveriam controlar entradas e saídas de insumos para a cozinha.
Na cozinha, perdas fazem parte do cardápio de possibilidades, pois nem sempre alquimias produzidas por cozinheiros vão parar nas mesas do estabelecimento. Fora pratos que precisam ser refeitos, por desatenção dos garçons, quando o cliente pede um bife mal passado e ele chega à mesa esturricado.
Sempre se faz necessário assinar um pacto de não intervenção com os tradicionais fiscais da prefeitura, os danadinhos, devido ao apurado faro, vão sempre encontrar algum alimento com prazo de validade vencido ou mal acondicionado. Esses dedicados funcionários públicos se não conseguirem encontrar alguma irregularidade na cozinha, vão achar uma baratinha no banheiro, ou fezes de roedores em alguma parte do restaurante. E todo mundo sabe que essas multas são pesadas, podendo inclusive gerar o fechamento do estabelecimento por prazo indefinido.
Aí entra em ação a esperteza dos garçons, estes sim muito criativos, conseguem ampliar o consumo de bebidas ou mesmo incluir inadvertidamente um prato nessas mesas de muitos amigos, algumas vezes para benefício próprio, outras em associação com os proprietários do estabelecimento.
Em outro momento ações espúrias vem do próprio cliente, que resolve reduzir o estoque de taças para vinho com a logomarca do restaurante, ou até talheres.
Agora a ação mais danosa acontece entre os próprios proprietários, muitas vezes restaurante necessitam de investidores para bancar os altos custos para colocar o estabelecimento funcionando. È nesse momento, que se dividem responsabilidades e a participação de cada um nas ações do restaurante. Invariavelmente os sócios operacionais não resistem a tentação, e acabam desviando parte das receitas auferidas.
Voltando ao Siciliano, ninguém conseguiu entender seu pedido de concordata, só mesmo depois de seu fechamento, clientes finalmente entenderam, pelo menos em parte, as razões do encerramento das atividades.
Poucos meses depois, surpreendendo a todos, uma nova loja de massas foi inaugurada na mesma rua, entre os sócios do Sardenha, o novo restaurante também especializado em massas, consta boa parte da equipe de funcionários do Siciliano, evidenciando que nessa selva gastronômica, nem sempre é a concorrência que derruba competidores num mesmo segmento.