SOLUÇÃO PERIGOSA
Wescley é morador da comunidade do Pavão/Pavãozinho, vive numa família que atende aos critérios para fazer parte do Cadastro Único, e assim ter direito a requerer o bolsa família, pois tanto seu Agenor, o pai, como Matilde, a mãe sobrevivem em subempregos, e toda carga embutida neste tipo de inserção no mercado, com instabilidade financeira mensal garantida.
Ele faz biscates de pedreiro, sempre sem muito empenho, se sente explorado por quem lhe contrata temporariamente. Ela, por sua vez, vive de faxina em moradia de moradores do vizinho bairro de Ipanema, mas nunca conseguiu criar freguesia cativa, quando bate sua depressão, não consegue mesmo sair de casa, ficando inoperante por dias, o que invariavelmente causa sua dispensa, afinal, esse mercado exige pouca qualificação, desfrutando de acirrada concorrência.
Na família nunca se sabe se é a depressão da esposa que aciona o lado alcoólico do marido, ou vice versa, o resultado final é catastrófico, ambos inertes em casa, Wescley acaba também de tabela entrando em parafuso.
Nem mesmo aquela vista privilegiada da janela de sua casa, lá no alto do morro, de onde vê como está a ondulação no canto do Arpoador, e assim lhe inspira a pegar algumas ondas e tentar momentaneamente esquecer um pouco essa triste realidade.
Ele tem consciência de como aquela ondulação mais lenta e cheia lhe dará prazer, inclusive para chegar mais leve, para estudar no período da tarde.
Mas só de lembrar, que nesses dias de baixa estima em casa não terá o que comer no almoço, e que esse período pode ser alongado, a depender da saída da inércia de sua família.
Nesse momento, não tem jeito, Wescley se transforma e com uma bicicleta laranjinha, arrancada de algum incauto no momento de devolver, ele vai literalmente à luta.
Aquele adolescente tranquilo, risonho, surfista e focado no estudo se transforma num trombadinha, aumenta a adrenalina e passa a circular pelo bairro, a espera de uma situação que lhe seja favorável.
Em algumas horas, está com sua mochila com objetos que lhe renderão uma grana, permitindo que retorne à casa, apenas para tomar banho, trocar de roupa e dormir.
No dia seguinte, se o mar estiver adequado, estará dentro d’água cedinho, almoçará em algum a quilo ali perto da Praça General Osório. Voltará para casa pelo elevador da Rua Barão da Torre. Depois do banho vestirá o uniforme da Escola Municipal Marília de Dirceu, que fica ali na Rua dos Jangadeiros 39.
Enquanto o dinheiro dos furtos permitirem, ele repetirá essa rotina, aguardando que a crise em casa seja solucionada, e ele possa voltar a fazer refeições em casa. Ele sabe dos riscos que corre toda vez que os pais entram em crise, pois circula cotidianamente por essa área de Ipanema.
Esse mesmo tipo de recurso também se faz necessário em alguns meses, quando a comida acaba em casa, como resultante da escassez de trabalho para seus pais.
Essa espécie de cartão de crédito do Wescley lhe causa certa paúra, pois tem consciência de ser um adolescente correto, mas que também se acha no direito de não passar fome, dada a incompetência de seus pais em gerir um lar com o mínimo de responsabilidade.
Recentemente, passou a dar seus golpes em Copacabana, onde tem menos intimidade com a área, por outro lado, sabe que é menor a probabilidade de ser reconhecido por alguém, nesses momentos de ações espúrias.