Natal no chão de barro
Juca era um franzino e esperto menino que mesmo aos seus sete aninhos, muito já tinha vivido. Ainda que normalmente animado, certo dia se encontrava triste e de olhos caídos. O Papai Noel, de tamanha tristeza era o motivo. O bom velhinho, que sempre visitava a comunidade onde Juca morava e que em todas as manhãs de Natal, não faltava, distribuindo brinquedos e cestas básicas, não havia chegado ainda, naquela chuvosa tarde de dezembro.
- Pô mãe, o Papai Noel não vai vir nesse Natal não? - Perguntou Juca, enquanto brincava com a colher, tentando algum fragmento de galinha no prato encontrar, em meio aos ossos algo que pudesse mastigar, na sopa de pescoço que lhe fora servido como almoço.
- Não sei menino, já esqueceu que o morro tá em guerra? Do jeito que a comunidade anda perigosa, tá arriscado sequestrarem o Papai Noel e ainda roubarem os presentes. – Respondeu a mãe irritada, olhando pela janela do barraco de tábuas pregadas, que se espremia entre centenas de outros.
- Puxa vida mãe, será que nem o Papai Noel pode mais subir o morro? Pede pros caras deixar ele vir aqui mãe, por favor!
- Tá doido garoto? Eu lá vou lá me meter com essa bandidagem? Quer ficar órfão de mãe também? O Papai Noel já deve estar chegando, vai ver que ficou preso no trânsito.
- Mas ele sempre vem de manhã mãe, ano passado ele chegou bem cedo, a gente ainda nem tinha café da manhã pra comer. Respondeu Juca irritadiço.
- Deixa de conversa e toma logo essa sopa antes que esfrie menino. O gás acabou e a lenha que restou tá toda molhada da chuva, não dá pra esquentar não!
- Mas mãe se ele não vier eu não vou ganhar meu presente, e a gente só vai ter essa droga sopa de osso nojenta pra comer!
- Cala essa boca garoto! - Esbravejou a mãe, em uma mistura de tristeza, ira e angústia, violentamente lançando as costas da mão no rosto de Juca, que teve seu frágil corpo lançado no chão feito jaca madura. A caldeira e o prato caíram por cima do menino, levando consigo o que seria a única refeição daquele Natal.
- Aaaai mãe! Você me machucou!!! – Respondeu o menino chorando, de sopa banhado , com o corpo no chão ainda estirado e a mão sobre o rosto ardido, limpando o sangue no canto da boca extraído, pelo golpe materno contra ele desferido.
Num rompante, seus olhos arregalaram quando enfim ouviu o som conhecido, o ansiosamente esperado sino, da Kombi que sempre trazia os presentes natalinos.
Ainda enxugando as lágrimas e soluçando o menino em um pulo e se levantou. Saiu correndo atrás da mãe, que já se misturava aos outros moradores, nos becos estreitos se espremendo, uma corrida não pelo pódio, mas em uma disputa sim, na qual a vez é dos mais famintos. Disputando pelas sacolas de alimentos que estavam sendo doadas por empresários de vermelho vestidos, roupas e barbas calorentas que encantavam os olhos das crianças da comunidade, pretenciosos, como se isso fosse mudar a cruel realidade.
Juca, mirrado e desnutrido, veio correndo descalço e com o peito despido, pisando nas poças de água e de lama da chuva, passando no meio daquela multidão alvoroçada, se esgueirando por baixo das pernas daquela gente esfomeada, que ansiava ter algum mantimento para se alimentar naquela data, para alguns, tão especial.
Foi quando enfim Juca parou de frente para um Papai Noel e o abraçou, pulando e gritando de alegria e emoção:
- Papai Noel, você veio!
- Ho Ho Ho, sim meu pequenino, estou aqui! Feliz Natal meu querido menino, tome aqui seu presente.
O coração do menino quase explodiu de emoção quando lhe foi entregue um caminhão de plástico amarelo.
- Obrigado Papai Noel, esse é o melhor dia daminha vida!