O BRILHO PERDIDO
A vida de Esmeralda mudou drasticamente depois que seu marido, Theodoro de Alencar, foi assassinado como queima de arquivo por ser a principal testemunha de um processo em andamento na justiça federal. O escândalo envolvendo o nome do casal, fez Esmeralda se afastar de tudo e de todos, para viver uma vida monótona e solitária, longe de qualquer movimentação e das festas que ela costumava frequentar ao lado do marido. Se mudou para um pequeno apartamento, alugou sua propriedade, dispensou a empregada que a serviu por muitos anos, e passou a se virar por conta própria no dia a dia. Quinzenalmente, ligava para uma agência e solicitava uma diarista. Se sustentava com o que recebia do aluguel de seu imóvel. Quando surgia emergências, ela penhorava suas joias, as quais deixou de usar por falta de ocasião. Para resgatá-las, se submetia a fazer traduções esporádicas, trabalho este que sugava todas as suas energias, e ela detestava, mas era necessário.
Esmeralda nunca precisou lutar por nada em sua vida. Filha de um casal abastado, foi criada entre festas luxuosas e viagens ao exterior, antes de se mudar para São Paulo para estudar letras na USP e conhecer Theodoro, por quem se apaixonou e com quem se casou. As joias, a maioria herdada de sua avó, eram o símbolo de um passado dourado e intocável. O broche de esmeralda, em particular, carregava o peso da memória de sua avó materna e da ligação especial que sempre houve entre as duas.
Numa manhã de sexta-feira, saiu apressada de casa para ir resgatar as joias com a data de vencimento expirando naquele dia. Estava agitada, com os nervos abalados, ainda não tinha finalizado o trabalho de uma tradução que deveria entregar no fim da tarde, e pelo qual já havia recebido parte do pagamento, a quantia exata que ela precisava para tomar posse outra vez de seu tesouro. Ao regressar à casa, apenas se livrou do calçado, colocou a caixa com as joias em cima da cômoda e foi para o computador, finalizar seu trabalho.
Pouco depois, Jucélia, a diarista escalada para fazer a faxina do apartamento de Esmeralda naquele dia, chegava ao edifício. A moça, que vivia na urgência do presente, respirou fundo e se benzeu antes subir. Não gostava de limpar o apartamento de Esmeralda, não se sentia confortável na presença da mulher, entretanto, enfrentava diariamente o peso de criar sozinha uma filha pequena, que adoecia com frequência. Cada faxina era uma batalha vencida; cada cheque, uma vitória pela sobrevivência, não podia se dar ao luxo de recusar nenhum trabalho, precisava garantir a comida na mesa e os remédios da menina.
Esmeralda havia se esquecido completamente de ter ligado para a agência e agendado para aquele dia. Só se deu conta, quando o toque da campainha a interrompeu. Ela se levantou e foi abrir a porta com a frieza habitual. A mulher franziu a testa ao reconhecer a moça, de faxinas anteriores, e não gostou nada daquilo. Detestava ver a mesma diarista invadir sua intimidade. Estava na hora de trocar de agência.
Num gesto mecânico, que mais constrangia do que acolhia, mandou a moça entrar, para em seguida, numa arrogância mal disfarçada, fazer as mesmas perguntas que fazia a todas as diaristas logo na chegada: “quer comer alguma coisa?” a moça balançou a cabeça negativamente, “quer beber alguma coisa?” a resposta foi o mesmo movimento de cabeça. E com aquela voz que intimidava qualquer um, Esmeralda continuou: “você já esteve aqui antes, não é mesmo?” “sim, senhora, duas vezes,” “então já está familiarizada com o serviço, pois faça o mais rápido que puder, tenho compromisso no fim da tarde e não posso me atrasar,” “sim, senhora,” Esmeralda deu as costas para ela e voltou ao trabalho.
Jucélia se afastou trêmula. Entrou no quarto de Esmeralda para trocar a cama, repor as toalhas e recolher toda a roupa para lavar. Com movimentos apressados, num descuido, um toque desajeitado, derrubou de cima da cômoda, a caixa com as joias, e elas se espalharam pelo chão. A moça largou a roupa suja em cima cama e se abaixou para recolher todos os anéis, brincos, pulseiras e colares, sem, entretanto, ignorar a beleza de cada item. Eram pesados e deveria valer uma fortuna cada um deles, especialmente aquele par de brincos de pedras verdes, tão belo que parecia brilhar com luz própria, nunca tinha visto coisa igual. Por um momento, ela se esqueceu de onde estava e o porquê de estar ali, mas logo voltou à realidade. Cuidou de recolher tudo com muita rapidez e ainda trêmula, retomou seu trabalho. Não sabe como conseguiu ser tão veloz naquele dia, mas depois de quatro horas corridas, tinha feito toda a faxina. Saiu do prédio aliviada e na esperança de nunca mais ter de voltar ali, ignorando que aquele era também o propósito de Esmeralda.
Depois de finalizar e entregar aquela exaustiva e longa tradução, Esmeralda se permitiu relaxar, saboreando uma taça de vinho tinto. Mais tarde entrou para um banho revigorante. Se vestiu e foi organizar as joias. Qual não foi a sua surpresa ao notar que o broche de esmeralda não estava na caixa. Para ela, a resposta era óbvia: a diarista o havia roubado. Movida por orgulho e desconfiança, ligou para a agência, se o broche não fosse devolvido dentro de uma hora, ela acionaria a polícia.
A acusação foi como um raio na vida de Jucélia. O olhar apavorado da moça ofuscava a sua inocência, ela negava com veemência aquele roubo e apesar da joia não ter sido encontrada em seu poder, Jucélia foi presa e seu mundo se despedaçou diante da filha, confusa, ao presenciar o que acontecia com a sua mãe.
A polícia trabalhou sem solucionar o caso que ficou em aberto por um tempo. Dias se tornaram semanas, até que o desaparecimento daquela joia foi perdendo força e caindo no esquecimento. Por fim, soltaram a moça e deram o caso por encerrado.
Meses mais tarde, ao se recolher, Esmeralda tirou o penhoar e jogou de qualquer jeito sobre a cômoda, e ele escorregou para detrás do móvel. Na manhã seguinte, ao puxá-lo, algo veio agarrado no tecido fino daquela peça de seu vestuário. O objeto desaparecido parecia zombar dela naquele momento.