LIXO MATANDO ANIMAIS
Naquele dia, a paz de Scaramouche foi interrompida por uma cena que vira na televisão antes de sair de casa. A imagem de um pássaro, um simples símbolo da liberdade, sofrendo pela negligência humana, não lhe saía da cabeça.
O pássaro, um pequeno alcatraz, tinha engolido um copo de plástico que agora estava preso em seu pescoço, como um colar grotesco. Incapaz de se alimentar, o animal definhava lentamente, vítima do descaso que o homem despejava nos rios e oceanos. A reportagem mostrava a agonia do pássaro, mas também a luta de biólogos para salvá-lo. Scaramouche desligara a televisão com um nó na garganta e uma revolta surda no peito.
Enquanto pedalava, viu garrafas boiando no rio, sacolas plásticas enroscadas em galhos submersos, tampinhas coloridas espalhadas pelas margens. O cenário era familiar e, ao mesmo tempo, cada vez mais insuportável.
"Os maiores predadores do mundo não têm presas nem garras," pensou. "Têm mãos e, muitas vezes, corações de pedra."
Parou sua bicicleta ao avistar um grupo de crianças brincando à beira do rio. Elas jogavam pedras na água, riam e corriam de um lado para o outro. Mas no meio das brincadeiras, uma delas atirou um saco plástico vazio no rio.
— Ei! — gritou Scaramouche, aproximando-se.
As crianças o encararam com olhos arregalados. Ele não queria assustá-las, mas também não podia ignorar.
— Sabem o que acontece quando fazemos isso? — perguntou, apontando para o saco plástico que agora flutuava com a correnteza. — Um animal pode engolir isso e morrer. Vocês querem machucar um pássaro, um peixe ou até uma tartaruga?
— Que tal me ajudarem a limpar isso aqui? — sugeriu.
Logo, as crianças estavam recolhendo latinhas, sacolas, garrafas. Não era muito, mas era um começo.
Enquanto o sol se punha, Scaramouche olhou para o horizonte com um misto de tristeza e esperança. Ele sabia que não podia mudar o mundo sozinho, mas talvez pudesse plantar pequenas sementes de consciência.
Neri Satter Dezembro de 2024 CONTOS DO SCARAMOUCHE