O menino que veio do nada
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE. 3 de dezembro de 2024
Seis horas da manhã, ainda com sono, ouvi leves batidas na porta da frente de minha casa. Levantei-me, carregando a minha preguiça de uma segunda-feira, lá fora reinava a escuridão. Novas leves batidas chegaram aos meus ouvidos, acordando-me de vez. Abri a frágil porta, feita de uma madeira leve e fina. Ela não era segura, e, para quem quisesse entrar, era só forçar um pouco. O que eu vi ali? Um menino, de mais ou menos oito a nove anos, magro, sujo, quase nu, a estender sua frágil mãozinha, e de cabeça baixa perguntou:
─ O moço não tem um pedaço de pão para mim comer?
De voz tão frágil, não entendi suas palavras. Fazendo um enorme esforço ele repetiu:
─ Estou com fome, queria um pedaço de pão. Ainda não comi nada hoje.
Aquilo não era de me estranhar, pois era muito cedo, todos os moradores dali, ainda estavam dormindo. Para saber mais sobre aquele ser frágil, que acabará de bater em minha porta, ainda com céu escuro, perguntei-lhe:
─ Qual é o seu nome?
─ Não sei, acho que nunca tive nome, - sentenciou o menino, curvado e com a cabeça baixa.
─ E seus pais, onde estão? Perguntei
─ Nunca tive pai nem mãe, minha mãe morreu no meu parto e meu pai me deixou com uma velha, vizinha dele, é o que me contaram. Depois essa velha também morreu, e eu fiquei na casa sozinho por algum tempo, até que umas pessoas me mandaram sair e ficaram com a casa. Fiquei na rua, acho que tem cinco anos.
Ainda sem olhar para mim, seu inquisidor, ele pediu:
─ Eu tô com sede, quero também um pouco de água, pode ser numa caneca de lata!
Não acostumado àquela cena, hesitei em deixar o pequeno do lado de fora. Também não queria deixar a porta aberta. Pedi para ele me seguir. Já dentro de casa, percebi o quanto aquela criança estava desnutrida, raquítica. Mesmo naquelas condições, cabelos desalinhados, corpo sujo, parecia que não via água há muito tempo. Maltratado, seu rosto tinha um quê de nobreza, filho de gente fina. A expressão de seu rosto, entretanto, demonstrava noites mal dormidas e, embora maltratado, deixava-se ver delicadeza, até no andar. Mas não saía daquela atitude humilde, medrosa, parecia que tinha medo de todo mundo.
Algumas lágrimas rolaram pelo meu rosto, ao lembrar que eu perdera um filho, que fora raptado de sua mãe, minha esposa. Decepcionada por não ter conseguido proteger seu filho, entrou em estado de forte depressão, fugiu de casa e nunca mais fora encontrada.
Buscando na memória e fazendo os cálculos, constatei que a idade do meu garoto, se estivesse aqui com a gente, estaria beirando a do menino ali à minha frente. Com o desaparecimento de minha mulher, passei a ter sérios problemas de saúde. Dificuldade para enxergar, dores no corpo a me deixar mofino, sem coragem para voltar a fazer o que antes gostava. Meu violão se acabando pelo cupim, a velha máquina fotográfica cheia de mofo, a vontade de viajar caiu no esquecimento. Então comecei a pensar alto:
─ Essa criança, tomando um café reforçado aqui em casa, com tanto gosto, poderia entrar em minha vida, como lenitivo, alegraria meus dias e eu os dele.
Meu tempo de hoje será dedicado a ele, vou comprar roupas novas, matriculá-lo numa escola, levá-lo ao médico, cortar o seu cabelo e deixá-lo renovado, isto é, se o convite for aceito. Primeiramente, vou procurar me inteirar da real situação do garoto, se tem familiares, se alguém o conhece e, se possível, procurarei informações no Juizado de Menores.
O garoto aceitou o convite. Depois do café José Aparecido, nome dado por mim, foi tomar banho, vestiu a roupa nova e saímos à procura de informações sobre ele. Infelizmente nada nos favoreceu, somente a alegria estampada em seu rosto. Amanhã continuaremos as buscas. Cada movimento, sem solução, me deixava contente, por não encontrar laços com ninguém. Deus nos ajudará!