CARREIRO DE SANTIAGO

Contam que há muitos anos, num vilarejo nos confins de Portugal, havia amizade sincera entre a maioria dos moradores. Sempre colaborativos em tudo. Entre eles também havia o costume de chamar vizinhos para serem padrinhos das muitas crianças e esse compadrio tinha o dom de aumentar a boa convivência entre eles, mas sempre existem exceções.

Francelino era daquelas pessoas eternamente insatisfeitas com o que tinha. Apesar de ser sempre ajudado pelos demais, era preguiçoso e não dava os tratos exigidos pelas plantações ou os animais que criava para ter os mesmos rendimentos dos demais quando ocorriam as vendas, porque seus produtos eram considerados de segunda categoria.

Numa determinada data, ele procurou o compadre Lourenço e o convenceu a irem na aldeia distante, mais populosa que aquele vilarejo pobre, para venderem seus produtos na feira bem maior e com gente de maiores posses que, fatalmente, pagariam melhor.

Realmente a venda foi um sucesso, mas o compadre Lourenço por ter mercadorias bem mais vistosas que as do compadre Francelino, arrecadou mais que o triplo.

Estavam voltando para casa quando o compadre Francelino disse que deviam parar na beira do riacho para dar água aos animais e sem qualquer motivo aparente, disse ao compadre Lourenço.

- A ideia de trazer as mercadorias para essa feira foi minha. O senhor, meu compadre, deve me dar a metade do que arrecadou.

Diante da negação, a conversa transformou-se em discussão e dessa partiram para a briga. Francelino por ser maior e mais forte que Lourenço, conseguiu dominá-lo e avisou.

- Vou lhe matar. Arranje uma testemunha, porque dessa faca o senhor não escapa.

No céu do cair da tarde, as nuvens formavam a imagem de uma estrada forrada de pedras de vários tamanhos a que os antigos deram o nome de Carreiro de Santiago.

- Minha testemunha é o Carreiro de Santiago.

- Que bom que o senhor escolheu quem não pode me delatar...

Praticado o crime, o compadre Francelino trouxe o corpo para ser sepultado e ficou com o dinheiro dizendo a todos que eles tinham sido vítimas de assaltantes de estrada.

Os anos se passaram.

O compadre Francelino contratou os filhos do compadre Lourenço como seus empregados e os mandava negociar os bons produtos que sabiam produzir na mesma feira, sempre com bons lucros. Ele, como empresário rico e preguiçoso, ficava em casa, repousando por conta de um trabalho que não havia feito.

Numa tarde qualquer, recostado em cadeirão do lado de fora da morada, ele viu o Carreiro de Santiago se formar bem diante dos seus olhos e, lembrando do crime cometido tanto tempo atrás e que até então permanecia impune, teve um acesso de rizo.

A mulher preocupada com a sanidade do marido procurou saber o motivo de tanta alegria e ele, fazendo ela jurar por tudo o quanto é mais sagrado que nunca revelaria a ninguém, contou o caso do assassinato, de como tinha conseguido tanto dinheiro e da tolice do compadre Lourenço em chamar o Carreiro de Santiago como testemunha.

Mas um caso dessa magnitude era demais para ficar guardado para sempre e a mulher, pedindo todo sigilo do mundo, contou para a sua mãe, que dias depois, enquanto fiava a lã nova como sempre fizera em companhia da sua comadre Maria, contou o caso sob juramento de que ficaria só entre elas duas.

Horrorizada com a maldade e frieza de coração do ser humano, a comadre Maria não conseguia conciliar o sono e naquela mesma noite, depois de muita insistência e com a promessa de sigilo total, contou o caso ao marido, compadre Enoque que também ficou horrorizado.

No dia seguinte, quando foi cortar lenha com o compadre Sebastião, o compadre Enoque não estava conseguindo controlar o nervosismo no trato com os bois do carro. O compadre Sebastião, tanto insistiu que ele, sob a promessa de sigilo total, contou o caso do assassinato que estava lhe perturbando e, de sigilo em silo, de boca em boca a história chegou aos ouvidos do Inspetor que, indignado com o malfeito, prendeu o compadre Francelino e no julgamento presidido pelo Bispo, ele foi condenado à morte.