A ILUSÃO DO RECONHECIMENTO

 

E assim foi mais um dia. Dia se ser forte, de dar conta, de não dizer não. Dia de receber elogios pelo serviço realizado, de ver os sorridos das pessoas, as quais ela ajudou a realizar suas tarefas, depois de ter dado conta de suas próprias obrigações, de ter sido o ombro amigo, o ouvido atento e o abraço reconfortante.

Agora era noite. Noite solitária, exausta, faminta, sem que ninguém lhe preparasse uma refeição, fria, sem ninguém para lhe aquecer, pesada de remorsos e ressentimentos, por ter dito sim a todos e não a si mesma, uma, duas, dez vezes. Noite insone, de ter a televisão como companheira e expectativa de um novo dia, sem a sensação de novidade.

Nem se pode chamar de novo, já que era quase que uma repetição de todos os anteriores. Ela sempre foi a pessoa para quem se pedia algo. Pela sua competência ou pelo fato de ela não ser capaz de dizer não? Não sabia, ou, pelo menos nunca se atreveu a examinar a questão mais de perto, visto preferir a primeira opção. Achar-se competente, necessária, importante, sempre foi um alimento para dias corridos e as noites vazias.

E isso não tinha começado na empresa. Tinha começado na escola. Com: “Pode por meu nome no seu trabalho?” “Me passa as respostas?” “Me empresta seu material” “Divide o lanche comigo”. “Sim!”. “Sim!”. “Sim!”. “Sim!”. Exploração? "Abuso”. Não! Estes eram momentos nos quais ela era vista, necessária, importante! Brevemente, de maneira efêmera, pontual, necessário para uma nota. Mas era vista.

Assim se de até que um dia ficou doente. Tinha prazos a cumprir, tarefas a realizar, relatórios para entregar. Mas, sem problemas! Finalmente, seria o momento de contar com o apoio de todos a quem sempre apoiou. De vê-los felizes por poderem retribuir a mão sempre estendida. De saber que podia contar com todos! Era a hora de ligar para o escritório, explicar a situação e passar o dia se preocupando com sua recuperação.

Os planos eram ir ao organizar as demandas da empresa por telefone, ir ao médico e tirar o dia para si, finalmente, já que nunca faltava ao trabalho, pois era muito necessária para o bom andamento de tudo. Foi a primeira ligação, a primeira mensagem, o primeiro e-mail e veio o silêncio. Foram a segunda, terceira, quarta ligação, alguns e-mails, várias mensagens até que vieram os primeiros: “Tem que ser agora?” “Pode pedir para fulano?” “Justo hoje não posso.” E assim sucessivamente.

Pensou em ir ao médico e voltar para a empresa. Afinal, sem ela lá e todos muito ocupados, seria um desastre total. Na verdade, o desastre começou com um diagnóstico inesperado, funesto, triste e definitivo. Ligou para seu supervisor e mandou mensagens aos “amigos” explicando brevemente e de maneira superficial a gravidade de sua situação, certa da acolhida, compreensão e apoio de todos.

Mal chegou a sua mesa e já havia uma primeira tarefa a ser cumprida. “Por favor, redija um anuncio de vaga para contratação imediata para seu cargo, afinal não é possível sobrecarregar a equipe, visto que você deve se ausentar por um longo tempo, se é que terá condições de voltar.”

Ela passou um longo tempo lendo e relendo a mensagem. Analisando cada palavra. Depois, tirando forças de onde já não havia nada, criou o seguinte anuncio: “Vaga para auxiliar de escritório. Contratação imediata. Funções a serem desempenhadas relacionadas ao bom andamento de todos os departamentos da empresa.” E entregou a seu supervisor e foi embora com a certeza de que era mesmo uma peça-chave na empresa, ou não lhe teriam dado incumbência tão importante que era a de buscar uma pessoa para lhe substituir, afinal só ela poderia, do alto de sua relevância, pensar em um anuncio como aquele.

Angelita Vargas Kolmar
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 22/11/2024
Código do texto: T8203046
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