O menino era muito falante e gostava de ler. Imaginação fértil, contava estórias, criava enredos longos, inventava situações que não existiam e a avó, sua primeira ouvinte, ouvia-o com atenção e paciência. Ela em sua máquina de costura e ele falando, falando e falando. Algumas vezes a avó se perguntava de onde vinha tanta imaginação e tanta criatividade para tantas estórias. Uma vez o menino ouviu a avó falar para o avô: meu velho, esse menino vai ser escritor, O avó mandou ela bater na boca e não desejar isso ao neto. Quer que o menino morra de fome?
Um dia a avó foi a uma mercearia, comprou um caderno de arame, um lápis, uma borracha, um apontador, entregou ao menino e falou: escreva suas estórias e depois a vovó ler. O menino deitava no chão e escrevia até a hora de dormir. As pessoas esqueciam que ele estava em casa e o avô achava que ele estava estudando para ser doutor. Apenas a avó sabia o que se passava e apenas ela lia as estórias. O pequeno escritor seguia feliz em seu próprio reino, na segurança daquela casa onde só existia amor e aconchego.
A vida pode mudar, às vezes muda drasticamente e a do menino mudou. Jogado no mundo, foi afastado da sua leitora, perdeu o seu caderno e parou de escrever. Virou um ghostwritter e tudo ficou para trás. Não teve tempo de se despedir e nem o direito de reclamar. O escritor não tinha mais público, nem imaginação e nem sonhos. Cortaram suas asas e ele despencou. O escritor foi calado, morto, por quem deveria protegê-lo. Ficou mudo.
O tempo passou e anos depois, a avó partiu, O menino, agora um adulto, recebeu das mãos de uma das tias, seu caderno de arame que sua única leitora havia guardado. Deitou no chão e leu todas as suas estórias de uma só vez. Na última página um recado da sua avó: Um dia esse caderno vai voltar para você e espero que não tenha desistido do seu sonho. Meu pequeno escritor a vovó ama você. Começou a chorar e por um segundo viu a avó em pé na sua frente sorrindo. Determinado comprou um caderno de arame e começou a escrever um livro. O escritor renasceu da vontade de se reinventar, realizar seu sonho e fazer um novo fim. Ele foi atrás da criança para o adulto sobreviver, resgatando a ingenuidade que a vida havia levado.
O escritor não gostava de cemitérios, mas tinha que visitar o túmulo onde so avós estavam enterrados. Nas suas mãos o seu primeiro livro, já um best-seller. Ná página de dedicatórias ele escreveu: Para vovó, minha primeira leitora e minha maior fonte de inspiração. Na frente do túmulo, fez uma oração, olhou a foto dos avós e mentalmente agradeceu os dois por terem sido tão importantes na sua vida. Antes de sair, olhos para o avô e disse: não se preocupe vovô, não vou morrer de fome. Riu e saiu com seu livro nas mãos.
Título do livro: O Garoto que Nunca Morre.