Rádio ZYR, Falando Para O Éter

Pequena cidade do interior, distante da capital, fins da década de 50, sem sinal de TV, a estação de rádio da cidade, ZYR 86, era nosso meio de comunicação, exagerando muito, “com o mundo!”. Havia um locutor com voz empostada num programa musical eclético, Elvis Presley, Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Ângela Maria, duplas sertanejas ou caipiras de raiz, é o que tinha na época e muitos outros. O nome do programa me era simpático, algo como “Se você Gostou Então é Sucesso”.

Duas expressões que usava me chamavam a atenção. Certo dia o encontrei na rua e, como qualquer garotinho irreverente, sem falar Bom Dia, Boa tarde, Com licença, perguntei:

- “Seo” Américo, o que é este “tantiu” que fala ao se despedir no programa.

Ele me olhou, assumiu um ar professoral e soltou:

- Menino, é “tankiu”, “Obrigado” em inglês – na ocasião pensei nesta grafia, mas, me penitencio, porque com certeza ele sabia que era “thank you”. Afinal, o professor de inglês do ginasial também tinha um programa na rádio e com certeza eram amigos. Era também um programa musical em que após ouvir a música em inglês ele lia a tradução para o português. Mesmo conceito, mas não tão bem produzido quanto o programa “O Poder da Mensagem” em que o famoso radialista Hélio Ribeiro, durante muito tempo, por várias rádios da capital paulista, traduzia para o português, simultaneamente, as letras das músicas em inglês e francês.

Devo dizer que não gostava, as vezes, de ouvir a tradução, músicas com agradáveis melodias, vozes e instrumentações, com letras tão bobinhas. Desmistificavam.

-Ah! E porque diz “Rádio ZYR-86, transmitindo para o éter”. Que é isso?

Daí, me deu uma aula. Exultante, soltou algo como isto:

- O som da Rádio é transformado em ondas que são emitidas pela antena e que viajam pelo espaço até sua casa e todas as casas da cidade e até de outras cidades, captadas pelo aparelho de rádio de sua casa e transformadas novamente em sons. Mas, este espaço entre as casas não é vazio, tem ali uma coisa que suporta a propagação das ondas e que os cientistas chamam de éter. Não é o ar. É o éter.

Nossa! O “seo” Américo sabe das coisas. Quando for para a escola quero estudar esse negócio de éter. Passei a admirá-lo, principalmente depois que soube que tinha uma luneta e ficava, à noite, observando a Lua, Marte, Vênus e outras estrelas. E havia muitas no céu desta pequena cidade, muito mal iluminada.

Mais tarde, soube que esta teoria do éter luminífero era do século XIX e surgiu como uma explicação para a luz, considerada uma onda, poder se transmitir no espaço. Na época, o entendimento era que a onda não podia se transmitir no vácuo, então, imaginaram o éter.

Khaos, primeiro deus grego a surgir no universo, tinha descendentes potencialmente tenebrosos, forças de negação da vida e da ordem. Apenas Éter e Dia eram positivos e luminosos. Suponho que foi a fonte inspiradora para os cientistas batizarem o preenchimento do espaço.

Porém, esta teoria da existência do éter foi descartada logo adiante. Quando soube disso, pensei que o “seo” Américo não sabia que o éter não existia ou utilizava como uma linguagem poética. Preferia pensar nesta segunda hipótese.

Mas, surpresa! Recentemente soube que os cientistas acreditam que existe um éter no universo, não nos padrões pensados no século XIX, mas em outros padrões físicos.

Grande “seo” Américo, um dos ídolos da minha infância.

Edson Gomiero
Enviado por Edson Gomiero em 21/11/2024
Código do texto: T8202216
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