Memória do tempo.
Carregado de sombrias nuvens o Outono ia pouco a pouco dando lugar ao inverno,cujos rigores já se iam notando.
Naquele lugarejo,esquecido,abandonado,era miserável aquele viver.
Casebres cobertos de colmo,chão térreo,sem janelas por onde entrasse um raio de sol,apenas o lume meio apagado iluminava como sombras fantasmagoricas as gentes que ali viviam. Eram todos iguais aqueles casebres,No viver(se vida era) assim ia passando o tempo.
Os homens passavam a maior parte do tempo fora,vendendo aqui e além a força dos seus braços nas aldeias vizinhas.Passavam por vezes semanas sem verem a família,os entes queridos.Trabalhavam para que nada faltasse á miséria daquele viver. De uma aldeia passavam a outra enquanto houvesse trabalho.Para toda aquela gente,solidariedade não era palavra vã naquela gente que nada tinha. Nada! Era mesmo nada. Brutalmente a tragédia bateu á porta daquele casebre,cheio de fé,de esperança.
Era o mais jovem casal da aldeia.seu pequenino rebento,razão da sua existência,pouco a pouco foi ficando doente.
Médico não havia.As vizinhas irmanadas na mesma dor ajudavam no que podiam. Rezavam aos Santos da sua devoção. Nada.O destino estava traçado. O cruel destino bateu aquela porta.
Aquela mãe,cansada,envelhecida não pelos anos mas por dias e noites de canseiras, desfalecia pouco a pouco,sem esperança. Seu ente querido não resistiu. Qual anjo,chamado para a corte celestial,acabou serenamente os seus tristes dias,a sua fugaz existência de dor.
As vizinhas ajudaram no que puderam,embrulhado num sudário branco,de imaculada brancura,sem padre que não havia,iam caminhando de cabeça baixa até ao lugarejo a que chamavam cemitério. Soluços,gemidos de dor,olhares embaciados de lágrimas e tristeza,sem rezas,porque os anjos não têm pecados.
O esquife eram os braços descarnados daquela mãe.
Ouvia-se fracamente a sua simples voz,falando só ela saberia com quem.
Chegados ao fim ,ao destino, Aquela mãe de joelhos,junto á cova não muito funda,depondo no chão,entregando á terra um pouco da sua própria vida,parecendo rezar,a voz sumida,sem força,dizia apenas:
Acorda meu filho acorda
Este dormir não é o teu.
Este é o sono da morte
O sono que ela te deu!
Testemunho vivo apenas um raio de sol amarelecido
daquele dia do fim do Outono.