Dizendo umas verdades no confessionário

O padre Augusto estava um pouco cansado aquela tarde. Era dia de confissão na igreja mas ultimamente poucos iam se confessar. Ele chegava a se perguntar se a fé das pessoas estava muito fraca e ia sair para beber água quando ouviu:

-Padre, preciso me confessar. Era uma voz chorosa de mulher

Pacientemente, o sacerdote respondeu:

-Diga, minha filha, em que posso ajudá-la?

-Eu não sou católica, sou evangélica, mas vim aqui porque minha sogra, que é católica, aconselhou. Ela falou que o senhor é formado em psicologia também.

Dando um sorriso complacente, o padre confirmou:

-Sim, sou. Achei que entender psicologia iria ajudar as pessoas que vêm me pedir auxílio, mas muita gente ultimamente não vem se confessar. Bem, fale-me, o que aconteceu.

A mulher começou a chorar e revelou:

-Minha filha mais velha, Amaryllis, disse que me odeia. Ela disse que odeia a mim, ao meu marido e ao povo da minha família.

Chocado, o padre viu que o problema da mulher era realmente grande e viu que teria que usar, além dos seus conhecimentos de padre, os seus conhecimentos de psicólogo.

-Bem, senhora, isso é realmente grave. Mas minha experiência de padre me ensina que o usual não é alguém dizer que odeia assim à toa. O que foi que houve?

-Foi porque quando fomos visitar minha família, eu falei com minha irmã, mãe e sobrinhos sobre um homem em quem ela está interessada. Todos nós dissemos que ela é muito criança, não tem experiência de vida, não sabe o que é bom para ela e que homens assim só querem fazer sexo. Ela ficou cheia de raiva porque a prima disse a ela que namorasse mas não se entregasse e minha irmã falou que ela ficasse orando e pedisse a Deus que mandasse o homem certo para ela. Amaryllis então retrucou que não é certo que ela tenha que ficar como Rapunzel numa torre esperando que venha o homem certo enquanto a irmã mais nova namora à vontade. A raiva só aumentou porque eu falei que ela é muito inocente e não conhece a vida e pode se machucar se arrumar um namorado que não presta. Foi então que ela berrou que nos odiava e que só a tratamos como criança. Mas padre, ela não sabe o que é o melhor para ela. Os pais sabem o que é o melhor para os filhos.

Pensativo, o padre Augusto quis saber:

-Quantos anos sua filha tem?

-Vinte e cinco.

Desta vez, o padre ficou chocado. Toda aquela preocupação com uma mulher feita de vinte e cinco anos? O normal era que uma mulher daquela idade já tivesse experiência de vida. E todos na família estavam dando conselhos daquele tipo a uma mulher adulta? Conselhos que até mesmo uma adolescente se aborreceria de ouvir.

Com gravidade, pronunciou:

-Filha, toda essa preocupação com uma mulher que já tem idade de tomar suas decisões e ser dona de sua vida? Eu tenho quase sessenta anos! Na minha juventude, mulheres dessa idade eram mães de família. Hoje, não se casa tão cedo, mas mulheres de vinte e cinco anos costumam saber o que querem, algumas são mães solteiras e, como não sou desatualizado, sei que muitas já tiveram vários parceiros sexuais. Todos vocês deram à moça conselhos que devem se dar a uma adolescente, não a uma mulher que daqui a cinco anos terá trinta. E se uma mulher de vinte e cinco anos precisa que tenham tanto cuidado com ela, algo está errado.

-Então o certo seria minha filha ser rodada?

-Não estou dizendo isso, senhora, estou dizendo que uma mulher na idade dela tem que tomar suas decisões e saber o que é melhor para ela. E a senhora disse que ela não sabe o que é o melhor para ela e os pais sabem o que é o melhor para os filhos. Acontece que quando os filhos ficam adultos eles devem decidir suas vidas. Os filhos, depois que crescem, têm que achar seus caminhos na vida. E que história é essa de dizer para ela orar e pedir que Deus mande o homem certo para ela? Deus não vai mandar o homem certo cair do céu, cada um deve lutar para ter o que quer. O certo seria dizer a ela que pedisse a Deus sabedoria para saber escolher.

A mãe voltou a chorar, reclamando:

-Padre, eu não quero que ela sofra. Ela disse que toda vez que ela fala que quer namorar, eu digo que há o perigo dela se envolver com um homem que não presta. Quando eu digo isso, ela diz que se o cara não prestar ela vai deixar mas o caso é que eu tenho medo que ela se decepcione. Oh, padre, quando ela diz que quer casar, eu falo que não quero que ela termine presa a um homem que não presta o resto da vida dela. Última vez que falamos sobre isso, ela ficou com raiva porque eu reforcei que havia o risco dela casar com um homem ruim e ela então respondeu que só pretende casar quando tiver um emprego porque não irá depender do homem e que, se ele não prestar, ela poderá deixá-lo, só que tenho medo dela se magoar. Então, não é melhor ela evitar se decepcionar? Por que casar para correr o risco de pegar um homem que não presta?

Padre Augusto pensou por um longe tempo sobre as palavras da mãe antes de dar uma resposta:

-Filha, um namoro não forma um vínculo indissolúvel. A senhora tem que entender isso. Está certo que as pessoas devem se preservar para o casamento, mas a Bíblia não fala que é errado namorar. Passando pela experiência de namorar, sua filha vai poder aprender a ver com que tipo de homem ela dará certo. E hoje em dia uma mulher não tem que ser mais a rainha do lar. As coisas mudam. Trabalhando fora, ela realmente não terá que ficar presa a um mau marido. Além disso, por que a senhora dá o tempo todo a entender que se ela for namorar ou casar ela irá se dar mal? É como se nenhum homem prestasse. Também não é por aí. Além de insinuar que namoro e casamento são coisas ruins, a senhora insinua que sua filha não tem competência para se relacionar, aprender o que é bom para ela nem forças para se recuperar de um namoro desastroso. Ela por acaso é feita de cristal? A senhora tem um mau casamento?

-Como eu disse, padre, ela é muito criança e inocente. E também muito sensível. E sim, eu tenho um mau casamento. Casei muito nova com um homem mais velho que me humilha todos os dias, não me deixou voltar a estudar. Eu quero evitar que ela tenha o mesmo destino. Como não trabalho fora, estou presa para sempre.

Erguendo bem as sobrancelhas, o padre ainda indagou:

-Infantil e inocente com vinte e cinco anos? Ela tem retardo mental por acaso? A senhora falou que a sua filha mais velha reclamou que a mais nova namora à vontade. Eu lamento que seu marido seja assim, mas todos os homens são iguais a ele? Está escrito em algum canto que os filhos têm que repetir a história dos pais?

Após alguns instantes de silêncio, a mãe informou:

-Não, padre, Amaryllis não tem retardo mental, ela é muito inteligente e tem curso superior. Ela está estudando para concurso público.

-Que contradição é essa? A senhora diz que ela é inteligente mas age como se ela não tivesse competência para gerir a própria vida. E uma mulher de vinte e cinco anos não é para ser inocente.

-Mas ela é, padre. Ela aliás reclamou que meu marido e eu a tratamos como retardada. Diz que a temos tratado assim desde criança, porém só queremos o bem dela. E se eu não tenho tanto cuidado com Dália, que é mais nova, é porque Dália é mais esperta. Oh, padre, ela disse tantas coisas, levantou tanta coisa do passado quando disse que odiava a todos nós.

Interessado, padre Augusto quis saber e opinou:

-Que coisas ela levantou para que eu possa lhe aconselhar? Senhora, não soa estranho que se precise ter muito cuidado com uma mulher da idade dela enquanto a mais nova tem mais liberdade? Isso não faz sentido.

Suspirando, a mulher falou:

-São muitas coisas, padre. Ela reclamou de quando ela tinha dezessete anos e precisou ir ao banco e eu disse para ela pagar só ao caixa.

Desta vez, o padre ficou estarrecido.

-Dezessete anos? Dizer a uma moça quase maior de idade que é para pagar só ao caixa? Senhora, se uma moça não sabe que no banco se paga ao caixa, ela vai pagar a quem? Ao porteiro? Isso foi o mesmo que chamar sua filha de idiota! Peço perdão pela franqueza. Se os pais têm que lembrar a uma filha quase adulta que é para se pagar ao caixa, ou essa moça tem uma deficiência ou os pais não souberam ensinar a se virar!

Soluçando, a pobre mulher se queixou:

-Padre, eu só tenho cuidado. Foi o que eu disse a ela quando ela reclamou de quando ela tinha quatorze anos e eu precisei ir ao médico uma vez e meu marido e eu insistimos que ela fosse conosco. Ela disse que não queria ir, porque estava cansada porque tinha passado a tarde estudando e a clínica tinha gente demais e ela queria ficar em casa para ver um seriado. Eu insisti que ela fosse para não ficar sozinha em casa. Ela foi conosco com uma cara cheia de raiva. Padre, do mesmo jeito ela reclamava quando tinha doze anos. Ela falava que não podia ver a novela dela da tarde quando a gente saía porque a gente dizia que era melhor ela ir com a gente porque era perigoso ficar sozinha em casa porque podia aparecer um ladrão e ela abrir a porta para o ladrão. Ah, padre, ela também jogou na minha cara que quando tinha treze anos precisou brigar conosco porque não ia sozinha à escola com todos os colegas dela. Meu Deus, padre, ela jogou tanta coisa na minha cara!

Respirando fundo, padre Augusto pensou no que dizer. Lembrou de sua irmã que, aos doze anos, ia sozinha à escola e cuidava dele e dos dois irmãos menores enquanto seus pais trabalhavam fora. Pensou também em si mesmo, que ia à escola com doze anos levando seus irmãos mais novos juntos. Seu pai havia sido funcionário público e a mãe, professora. Começou:

-Senhora, já pensou na proteção absurda e exagerada a que o seu marido e a senhora submeteram sua filha? Tanta menina de quatorze anos perdendo a virgindade e ficando grávida e a senhora achando que sua filha, com essa idade, não podia cuidar de si mesma? A senhora diz que tem cuidado. Certo. Só que a gente não cuida de uma filha de doze anos como se fosse uma menina de seis. Minha irmã, com doze anos, ia sozinha à escola e todos nós ficávamos em casa quando nossos pais estavam trabalhando e obedecíamos a ela, que cuidava da casa e de nós. E sua filha, com treze anos, percebeu que os colegas dela iam sozinhos à escola e precisou se preocupar porque ela não andava na rua como todo mundo? Pelo visto, os senhores não pareciam preocupados que ela aprendesse a se virar e andar na rua. Pretendiam levá-la e buscá-la da faculdade de carro? Depois a senhora reclama que ela é inocente? Dava para esperar que ela fosse de outro jeito com esse tratamento? Ela hoje é uma mulher de vinte e cinco anos e a senhora ainda quer tratá-la como criança? Daqui a cinco anos ela será uma mulher de trinta. Ainda vai querer tratá-la assim quando ela tiver trinta anos?

Zangada, a mãe replicou:

-Padre, para nós pais os filhos sempre serão crianças. Eu não quero que minha filha sofra. Nós, pais, não queremos que os filhos passem decepções.

Ao ouvir as palavras da mãe, o padre refletiu um pouco e por fim retrucou:

-Senhora, eu entendo que os pais não querem que os filhos sofram, acontece que ninguém pode querer passar pela vida sem sofrer. Minha mãe, que Deus a tenha, dizia que filhos se criam para o mundo. Nenhum de nós é Deus e não podemos querer controlar o destino dos outros. Jesus Cristo, que era filho de Deus, sofreu bastante. Claro que quando um filho fica adulto o amor não diminui, só que não se pode tratar um filho barbado como se fosse um menino. Infelizmente, nem tudo muda para melhor. Antes, um rapaz de dezoito anos era um homem, mas hoje está comum vermos homens de mais de vinte parecendo uns adolescentes. Meu irmão mais novo é professor universitário e reclama que muitas vezes os pais vão reclamar com ele porque os filhos tiraram nota baixa. Imagine isso, senhora. Um barbado que com certeza dirige o próprio carro precisando que os pais resolvam os problemas dele? Mais de uma vez pais foram brigar com meu irmão porque formandos não tinham entregado o TCC no prazo. Hoje, também é comum vermos pais e mães acompanhando filhos que vão servir no Exército. O meu sobrinho, neto da minha irmã, foi sozinho, no entanto havia um rapaz que tinha ido com a mãe e a mãe queria entrar. Naturalmente, ela foi barrada e o homem que a barrou disse que ela não podia entrar porque lá dentro todos os rapazes iriam ficar sem roupa. A senhora pode imaginar isso? Está tudo muito errado. Toda essa proteção exagerada está errada.

A mãe tentou se defender:

-A gente não quer que nossos filhos se machuquem. Foi o que eu disse a Amaryllis quando ela se queixou que não a deixamos ter uma bicicleta.

-Como psicólogo que sou, ouso dizer que não se pode facilitar tudo para os filhos, pois a vida não irá facilitar. Os pais não podem dar tudo de mão beijada, a vida nunca dará nada de mão beijada. E esse excesso de proteção gera seres mimados, fracos e irresponsáveis. Minha irmã, assim como minha saudosa mãe, foi professora até se aposentar. No tempo que minha irmã foi professora, os alunos tinham que fazer por merecer uma boa nota. Hoje, se os filhos tiram notas baixas, os pais vão exigir dos professores que revejam as notas em vez de dar um puxão de orelha nos filhos. Isso lhe parece certo? Senhora, eu caí muito até aprender a andar de bicicleta, subi em árvores, joguei bola, esfolei os joelhos. Ainda bem que não sou criança hoje, em que todas as crianças e os adolescentes só sabem ficar no celular.

Impaciente, a mãe persistiu:

-O senhor devia ver a raiva que Amaryllis ficou quando disse que queria ir embora de casa e eu falei que isso podia não ser da vontade de Deus. Eu ainda falei da parábola do filho pródigo para mostrar que ela podia estar errada.

-Senhora, Deus não interfere em nossas decisões, sejam elas certas ou erradas. Na parábola, o pai, que representa Deus, podia ter segurado o filho, entretanto não o segurou e deixou que ele partisse. E o rapaz quebrou a cara e adquiriu mais experiência de vida com isso. Ao que parece, é a senhora que não quer que sua filha parta. O que deseja? Que ela viva com a senhora e seu marido até que os senhores morram? E por que é tão contra ela querer namorar e casar? Devia considerar que ela tem direito a viver a vida dela como qualquer moça da idade dela.

-Padre, ela não tem por que querer imitar as outras moças. Ela fica dizendo que não quer ficar moça velha e ficou com ódio de mim porque eu falei que isso podia não ser tão ruim, podia ser Deus querendo poupá-la de um homem que não presta.

-Não me parece que ela quer imitar as outras moças. Parece que quer apenas viver a vida dela. A senhora é muito obcecada com a ideia de que se ela casar, ela irá sofrer. Já pensou que poderá estar contribuindo para que ela sofra de uma outra forma?

-Que forma?

-Que, no futuro, ela estará mais velha, pensando que não aproveitou a melhor época da sua vida. E talvez só lembre da senhora com ressentimento. Pense bem nisso e pare de tratar sua filha como uma eterna criança. E, com certeza, não é nada agradável para uma mulher ficar com mais de trinta ou quarenta anos com o rótulo de “titia”. É a vida dela, ela que tem que decidir. Pais podem dar conselhos, não decidir a vida dos filhos.

A mãe pareceu pensar e disse:

-Estou indo, padre.

-Vá, filha, e lembre do que falei. E que Deus a acompanhe.

-Adeus, padre.

A mulher se foi e o padre pensou por um longo tempo. Como tantos pais podiam estragar a vida dos filhos daquela forma?

-Sinceramente, muitos que se tornam pais não estão de fato preparados para educar e preparar os filhos para a vida. Esquecem que têm que ensinar os filhos a ser capazes de um dia encontrar seu lugar no mundo. Que Deus dê sabedoria a essa mulher para que ela entenda que a filha tem que viver a vida dela.