Descarrego. Para onde vai a zica?

André era conhecido de Cristiane, e Cristiane era amiga de Leandro, mas André e Leandro não se conheciam.

Cristiane encontrou André na rua com uma sacola na mão e uma mochila nas costas.

-- Ei cara, onde está indo?

-- Vou lá pro lado de Louveira, tem uma cachoeira legal no sítio do meu primo.

-- Que bacana. Então vai acampar?

-- Mais ou menos isso. Preciso fazer um descarrego.

-- Sério? Você mexe com essas coisas?

-- Às vezes não tem jeito. Quando fazem malfeito pra você, tem que se livrar da zica.

-- Sério? É despacho de macumba? Me conta, eu sempre quis saber como isso funciona.

-- É assim: se alguém faz a oferenda pra um espírito ruim te prejudicar, o encosto não te larga enquanto não cumpre o contrato. Aí você faz outra oferenda, toma um banho de cachoeira e tira o encosto de você. Isso é o descarrego.

-- E o que acontece com o espírito ruim?

-- Ele tem que cumprir o contrato de qualquer jeito. Então vai pra outra pessoa.

-- Vai pra quem?

-- Qualquer pessoa, geralmente pra alguém que não tem corpo fechado.

-- Que bosta, hein?

Quinze dias depois, Cristiane cruzou com Leandro. Este estranhou o estado lamentável de Cris, e perguntou o que ela tinha. Cristiane estava esgotada mas mantinha seu bom humor costumeiro:

-- Peguei uma doença que o médico não sabe o que é. Como tenho febre, ele receitou antibiótico, e estou tomando. Uma hora passa.

-- Puxa vida, que chato, né?

-- Um saco!

-- Com certeza você anda trabalhando demais, estressou, a imunidade caiu, você pegou uma virose e taí, tomando remédio.

-- Ou peguei o encosto de alguém.

-- Como assim? Fizeram macumba contra você? Você mexe com isso? - perguntou Leandro, horrorizado.

-- Não mexo, mas andei pesquisando - respondeu Cristiane.

Conversaram sobre o assunto, Cristiane contou a conversa que teve com André duas semanas antes, e fez piada:

-- Parece que fui premiada. Peguei a virose e uma maré de azar também. Briguei com o Leonardo, meu namorado, pra se vingar ele me chifrou, dei um chute nele, a irmã dele, que era minha amiga, não gostou, meteu a boca em mim e agora tá de mal... Virou tudo de ponta-cabeça.

-- Mas por quê você não faz um descarrego também? - perguntou Leandro. -- Passa a zica pra frente.

-- Acontece, amigo, que se eu fizer isso, a zica vai pra outra pessoa, e pode ser alguém que eu gosto, sabia? Então, vou tomando remédio até me curar, e rezo pra Deus me dar força até eu botar minha vida de novo no lugar. Alguém tem que quebrar a corrente, entende?

Leandro não entendeu. Disse que se fosse com ele não deixava por menos, passava a zica pra frente. Não sabia que seria ele o próximo endereço do tal encosto. Bem que merecia.

Marco Antonio Mondini
Enviado por Marco Antonio Mondini em 19/11/2024
Reeditado em 29/05/2025
Código do texto: T8200746
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