O Beco dos Artistas no Garcia em Salvador

O cheiro de pizza já era sentido desde o instante que terminava o Largo do Campo Grande, depois do teatro Castro Alves e, ao invés de seguir pela rua João das Botas, dobrava pela rua Leovigildo Filgueiras. Era o cheiro que conduzia ao local. Não, não à pizzaria, para muitos, as suas pizza eram muito caras. Mas à esquina do restaurante e entrando na rua Cerqueira Lima, ali estava o Beco dos Artistas.

Foi num momento quando parou a chuva, Aldo parou em frente ao Beco para dar passagem para uma caravana composta de travestis, rapazes bem-vestidos, delicados e moças com roupas mais de homens. Deixou passar o grupo e teve curiosidade de saber aonde iam. Afinal eram onze e meia da noite de uma quarta-feira. Aldo passava todo dia nesse horário por aquele lugar para pegar o ônibus, na volta à casa no bairro dos Mares. Voltava do curso de Inglês que havia iniciado há um mês e meio. Nesse dia demorou de passar no local, a chuva torrencial, daquelas que dão sempre inesperadamente em Salvador, o havia tolhido num barzinho antes dali. Nem sempre se lembrava de levar o guarda-chuva, embora frequentemente em um momento o céu estava claro e sem nuvens e, quando se pensa que não, carrega-se rapidamente nuvens trazidas pelos mesmos ventos rápidos que provocam as tempestades que sopram do mar. Passava pela entrada da rua Cerqueira Lima quase sempre às dez horas e quinze minutos em direção ao ponto de ônibus em frente ao teatro, no entanto, nesse dia, nem que estivesse com guarda-chuva conseguiria enfrentar a tormenta, o vento poderia até não levá-lo, embora fosse bem magrinho, mas, com certeza, seria impedido de andar, o sombreiro seria levantado, se molharia inteiro e receberia muita areia na face. Só pôde sair, quando a tempestade passou mais, embora ainda chovesse, às onze horas e vinte minutos.

Para onde ia o grupo sincrético que passou sobre ele? Examinou a rua, parecia um beco sem saída, pensou que o grupo iria até o final do logradouro e, sem mais nem menos, o grupo sumiu. Entrou em algum lugar específico, por certo ali bem perto. Se animou mais ainda em sua curiosidade e decidiu investigar o ambiente. Estavam chegando mais gente, uns sozinhos, outros em dupla e outros em grupos maiores, todos com características parecidas com o grupo que encontrara anteriormente. Não teve dúvidas, havia uma festa de gente sortida na rua em sondagem.

Seus pés tomaram a decisão em meio à hesitação de todo o corpo. Foi caminhando junto com um pessoal, indo passo atrás, passo antepasso, na direção para onde estava se dirigindo a turma e chegou em frente a uma casa com letreiros luminosos. Era ali onde a maior parte das pessoas entravam. Parou na porta, pensou se deveria entrar ou não, afinal já era quase meia noite e, se não pegasse o ônibus desse horário, o próximo só sairia a uma hora e meia da madrugada. Decidiu entrar, nem que fosse somente para olhar o ambiente, sairia imediatamente, daria tempo pegar o ônibus da meia noite, sem contar que o coletivo quase sempre atrasava e, por vezes, saía doze e quinze, e vinte, e até e trinta. Entrou e, logo na entrada, tropeçou no tapete vermelho que não avistou no chão, pois o brilho das luzes do espaço o deixou um pouco encandeado. Acorreu para segurá-lo contra a queda um rapaz da sua idade que entrava ao seu lado. Ele tinha dezenove anos, Aldo ainda começava nos seus dezoito anos fazia só dois meses e, por isso, a curiosidade de conhecer coisas e lugares antes proibidos a ele pela sua menoridade.

O toque de Fernão foi mais forte do que somente um apoio contra a queda. Foi um toque firme, no entanto suave e um abraço com sua boca encostada nos lábios de Aldo. Gelou, estremeceu, enrubesceu, as faces afoguearam, sentiu tudo ao mesmo tempo e os lábios de Fernão roçando seus lábios de leve. Não teve outra reação senão agradecer por lhe ter segurado. A resposta foi um por nada sonoro, suave, carinhoso, acompanhado de você não merece cair. Quis fugir dali, se despregar dos braços do rapaz que nem sabia o nome e não quis nem perguntar, lembrou do ônibus, quis se desvencilhar, porém as mãos de Fernão o deteve, perguntando seu nome. Depois do beijo de toque nos lábios, sussurrou seu nome e ouviu um Fernão, e o meu nome é Fernão. Muito prazer. Vamos nos sentar? Tomar algum drink? Há uma mesa vazia ali. Nem teve como negar, as mãos de Fernão foram conduzindo seu corpo para a cadeira ao redor da mesa. Só retirou suas mãos para puxar a cadeira para Aldo sentar-se.

Costuma vir sempre aqui? Não. Nunca tinha vindo. Só estava indo pegar o ônibus para casa, vinha do meu curso de Inglês. Tive curiosidade para ver o que está acontecendo aqui. Foi o diálogo que aconteceu, com a música muito alta e os dois quase gritando para serem ouvidos. Esta é a boate Cactus. Eu sei, eu vi o nome na fachada. Tem show de travesti aqui hoje, Luana Cira, Tina Winter e Carla Pandora vão se apresentar aqui hoje. Já ouviu falar delas? Não, nunca tinha ouvido falar. São as travestis mais glamourosas do Nordeste inteiro. Imitam todas as divas, dublam todas. São maravilhosas. Nunca vi um show de travesti. Fiz dezoito anos agora, não estava nem autorizado a ir a um lugar desses e meus pais nunca mencionaram isto, nem sei se sabem direito se existe esse tipo de show. Então, você nunca tinha vindo no Beco dos Artistas? Beco dos Artistas, o que é isso? Esta rua onde estamos agora, o Beco dos Artistas, o lugar mais cheio de purpurina dos entendidos de Salvador? Purpurina, entendidos, o que são isso? Não sabe? Purpurina é o que os entendidos chamam brilho, fechação, glamour e entendidos, bem entendidos, são pessoas que gostam de pessoas do mesmo sexo, namoram, curtem, transam.

Tomou um susto imenso, só com a explicação clara de Fernão se deu conta onde de fato estava e o que estava acontecendo entre os dois. Já era uma paquera ou mais. E não tinha estado consciente disso até o momento. Só então observou que a casa já estava plena de pessoas e cada vez entravam mais e, quando olhou ao redor, havia casais de homens com homens e mulheres com mulheres dançando e se beijando. Levantou-se de vez, já iria se despedir de súbito de Fernão para pegar seu ônibus, quando este chegou no seu pescoço e no seu ouvido e disse que já havia percebido que ele queria dançar, restou petrificado, imóvel, um sensação estranha lhe subiu da cabeça aos pés.

Conduzido pelo parceiro, talvez já podemos chamar assim, para o salão a dançar uma música mais suave que agora tocava, este se aproximou muito do seu corpo o tomou pelos braços, pôs a mão firme nas costas e o foi conduzindo na dança. Sentiu o que nunca sentira em uma dança com a namorada, até agora ainda namorada, talvez. O corpo quente, macio e aconchegante de Fernão o fez ir às nuvens, pé ante pé, passo a passo, rosto por rosto, dorso quase friccionando o dorso do outro, perna entre as pernas e paus já muito duros de um e de outro, esses sim num atrito entre suspirantes e até quase um pouco violentos de tão fortes.

A música acabou e Aldo suspirando disse a Fernão que precisava ir ao banheiro. Vamos, te levo. Saíram da boate, entraram no bar Vermelho, do lado, Fernão falou para o atendente que precisava de um quarto suíte. Quarto? Quarto não, preciso ir ao banheiro, retrucou Aldo. Pois é, querido. O banheiro fica no quarto. Pegou a chave com o atendente e conduziu Aldo pela mão.

Entraram no quarto e Fernão disse, eis o banheiro, pode ir. Aldo já tremendo entrou no banheiro e quando voltou o ar-condicionado do quarto estava ligado, Fernão havia aberto duas cervejas e estava só de cueca. Aldo ficou parado olhando a cena sem nada dizer. Fernão explicou que estava sentindo muito calor, por isso ligou o ar, abriu uma cerveja e tirou a roupa. Convidou Aldo para tomar a outra cerveja e se sentar na cama. Aldo lembrou que teria que voltar para casa. Agradeceu a cerveja, disse que não poderia se sentar, teria que ir pegar o ônibus pois já devia estar perto de uma hora e meia e pegar o último ônibus da noite para casa. Você não vai conseguir pegar mais este ônibus, já são uma e cinquenta, ele já passou e além do mais é muito perigoso você circular sozinho pelas ruas a esta hora. Relaxa. Paguei o quarto para a noite toda, a gente pode ficar aqui. Podemos dormir aqui ou voltar à boate e voltar para passarmos o resto da noite aqui. Agora, senta aí e toma a cerveja, tá muito calor.

Aldo foi se sentando devagar na cama ao lado de Fernão, muito hesitante, já se dispondo a se Fernão o tocasse naquelas condições ele faria um escândalo, estava havendo algum engano, não era entendido como havia acabado de saber do significado da palavra. Nunca havia pensado em homem na sua vida, sim, exceto na vez que teve vontade de abraçar forte seu melhor amigo, mas foi porque ele havia comprado o violão que sempre queria, levou para ele e ele lhe pagou o valor. Nunca havia imaginado estar naquela situação com um homem ou um entendido. Aí lembrou-se que já o havia beijado na porta depois de quase cair e dançando com a cueca toda melada e seus paus muito duros. Olhou para o pau de Fernão naquele momento e já estava para sair da cueca e nem havia percebido que o seu dentro da calça estava quase abrindo o zíper de tão duro. Começou a tremer, na verdade tremelicar e não deteve Fernão num beijo que este começou nos lábios e foi descendo dos bicos dos peitos até seu mastro duro, agora já fora da calça e da cueca. Fernão lhe despiu, peça ante peça, camisa quase encharcada, calça, cueca, isso porque os sapatos e as meias nem havia percebido que já restavam num canto. A cueca do Fernão já algum tempo nem ele mesmo sabia onde estava.

A sequência deu-se com Fernão o virando de costas, apalpando sua bunda carnuda, morena, bem-feita e o enternecendo com intensos beijos gregos. Fernão o deixou um pouco, voltou logo depois com sua mão lambuzada e seu dedo entrou no ponto central da rebarba, o que provocou profundos gemidos de Aldo, era um sentimento de aflição intensa e regalo ardente. Com vênus presente e colada à haste de Fernão, Aldo sentiu ser aos poucos adentrado por uma dureza de homem, uma força sobre seu ser, um aprazimento só expresso por fortes gemidos. Não foi tão rápido que não pudesse provocar grandes lembranças nem tão duradouro que não tivesse parecido uma eternidade. Fernão derramou-se em desfrute sobre Aldo e seus gemidos misturaram-se ao do agora namorado.

Depois, beijos, deitarem-se juntos e dormirem, levantarem, tomarem banhos juntos e partirem de manhã para seus trabalhos, já que não dava mais para voltarem para casa. Não sem antes trocarem seus números de telefones. A coisa iria se repetir, o namoro dos dois começara enquanto o namoro de Aldo com Marluce iria imediatamente terminar.

Depois dos dezoito, lhes dou um conselho, jovens de Salvador, não fiquem curiosos quanto ao Beco dos Artistas no Garcia. Ali não é um bom lugar para querer conhecer, ainda mais se não sabe do que se trata. Também tomem cuidado com a praia de Jardim de Alá, na Barra, o Beco do Off, a praia do Porto, a ponta do farol e ao redor do Cristo, no centro, a rua Carlos Gomes e a Praça Castro Alves, esta principalmente na noite de terça-feira de Carnaval.

Rodison Roberto Santos

São Paulo, 13 de abril de 2024.

Rodison Roberto Santos
Enviado por Rodison Roberto Santos em 18/11/2024
Código do texto: T8199237
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