No Compasso Da Vida

Ela parou o carro. Desceu, se alongou. Estava dirigindo há muito tempo. E não podia dizer que o último trecho fosse uma estrada boa. Não fazia idéia de onde estava, mas gostou do lugar. Olhou em volta. Parecia um lugar bem pequeno, mas lindo. Um cara, solícito, se aproximou:

—Oi! A senhora está perdida?

—Senhora? Quem é a senhora? Eu estou perdida. —disse ela com a cabeça distante dali.

—Desculpe. Só um tratamento respeitoso. Pra onde quer ir?

—Não sei. Ontem eu quis morrer. Mas a morte não veio ao meu encontro e nem eu estava disposta a ir atrás dela. Então ficou o dito pelo não dito. Hoje pela manhã peguei minhas coisas e caí na estrada. Acabei chegando aqui.

—Quer brincar comigo? Não pode estar falando sério.

—Por que eu brincaria? Morrer é fácil. Difícil é viver.

—Você me parece deprimida. Com mal da alma.

—Nem todo mundo que quer morrer está deprimido. Pode estar só insatisfeito mesmo.

—É o seu caso?

—Olha, cara, eu estou cansada. Onde tem um hotel, uma pensão, uma pousada por aqui? Preciso de um banho e de dormir — ele riu.

—Hotel ou pousada por aqui? Se depender disso você vai dormir na praça — ela fez ar de poucos amigos.

Ele acabou lhe arrumando um pouso em uma casa que estava à venda sob sua responsabilidade. Ela agradeceu e fechou a porta. Tomou um longo banho, relaxou um pouco, mas lembrou que não tinha muito o que comer e estava morrendo de fome. Um tempinho depois ouviu alguém batendo à porta. Foi abrir. Era o cara que lhe recebeu, com um prato de comida nas mãos. Ela vestia um pijama minúsculo e fino. Ele não pôde deixar de olhar. Ela nem percebeu.

—Cara, eu estou morrendo de fome, você adivinhou.

—Meu nome é Júlio. Imaginei que estaria com fome. Fiz o jantar e trouxe pra você.

—Ah! Muito prazer, Júlio! Meu nome é Adriana. Agradeço pela gentileza, estava aqui sem saber o que fazer com a fome que estou sentindo.

Ela o convidou para entrar e sentar-se. Sentou-se e começou a comer com tanto gosto como se fosse o melhor prato do mundo. Ele a observava. Não conseguia tirar os olhos de seus seios com os mamilos eretos. Corria os olhos por seu corpo sarado, suas pernas torneadas e voltava aos seios, seus cabelos molhados, lindos e sensuais. Ela falou algumas coisas que ele nem ouviu. Começava a ter uma constrangedora e indesejável ereção e pensava em como fazer para que ela não percebesse e o tomasse por um pervertido. Tinha que sair logo dali. Deu uma desculpa qualquer e foi embora. Mais tarde em sua cama Júlio pensava na provocante e desinibida mulher. Acabou dormindo e teve um sonho erótico com ela.

No dia seguinte ela foi procurá-lo. Estava com um short curto e uma blusa de malha sem sutiã. Ah! aqueles seios que quase não o deixaram dormir estavam ali se mostrando. Ela tinha vindo saber onde fazer compras e perguntar por um lugar para almoçar e jantar. Ele explicou que não tinha restaurantes no vilarejo. Mas que poderia lhe dar de sua comida nos dias que fosse ficar ali. Mais tarde ele foi até a cidade com ela para que resolvesse algumas coisas. No caminho conversaram:

—Você não é nativo daqui, certo?

—Não sou. Estou aqui há dois anos. Encontrei este lugar, me apaixonei e resolvi ficar.

—Não me diga que estava como eu, fugindo do mundo, de si e das insatisfações?

—De certa forma sim. Mas eu não cheguei ao ponto de querer morrer.

—Conta o que aconteceu. Talvez possa me ajudar.

—Eu sou advogado. Trabalhava para uma grande empresa. Ganhava muito dinheiro. Mas comecei a ficar insatisfeito e infeliz por todas as vezes que faltava com a verdade ou burlava as leis, em suas brechas, pra prejudicar pessoas, o meio ambiente, outros empresários. Comecei a sentir nojo das negociatas, da pouca honestidade e tantas outras coisas. Comecei a sentir que estava perdendo a dignidade, o respeito por outras pessoas e por mim mesmo. Um advogado não se forma pra se prestar a este papel. E eu estava ficando muito bom nisso. Antes que perdesse o caráter, usei o resto de bom senso que me restava e abandonei o trabalho. Linhas gerais, é isso. Aos quarenta e três anos resolvi romper com tudo. Já tinha vindo aqui algumas vezes. Aqui perto tem um Parque Estadual e o rio é a riqueza desse lugar. Comprei uma casa e me mudei. Vivo do que planto, do animais que crio, do rio e da natureza. Não preciso de muito, sou solteiro, sozinho e do pé de meia que fiz, uso muito pouco. Talvez um dia venha a precisar, mas daqui a alguns anos vou me aposentar Fiz muitos amigos e ajudo a quem precisa. Eles me ajudam também. Somos uma comunidade unida. E você porque está assim perdida?

—Mais ou menos a história se repete comigo. Sou formada em comercio exterior e administração. Fiz pós-graduação, MBA, doutorado. Trabalho desde os vinte anos numa grande empresa. Comecei como estagiária e hoje aos quarenta e quatro anos sou executiva. Também ganhei e ganho muito dinheiro, mas sou escrava. Há anos não tiro trinta dias de férias e quando estou em férias sempre me ligam pra eu resolver alguma coisa. Minha vida se resume à empresa. Ultimamente tenho me sentido extremamente insatisfeita. Como você disse estou perdendo a dignidade. Faço coisas que não concordo. Muitas vezes tenho que prejudicar colegas de trabalho, usar de artifícios que prejudicam empresas, meio ambiente e pessoas. Tenho tido crises de ansiedade e pânico. Comecei a perceber que o que causa estes sintomas nenhum psiquiatra, medicamento ou psicólogo podem dar jeito. Há uns vinte dias tive uma crise de pânico e ansiedade e pensei que ia morrer. Meu psiquiatra me deu sessenta dias de licença. Mas eles não me deixam sossegada. Depois de pensar seriamente em morrer, saí sem rumo e cheguei aqui, por acaso. Ainda tenho mais de trinta dias de licença pra pensar no que vou fazer. Uma coisa é certa. Não vou atender mais ligações deles. Preciso de um tempo. Não sou um robô.

—Você é casada, comprometida, tem filhos?

—Sou completamente sozinha. Não tenho mais meus pais, meu irmão mora no exterior, os amigos foram seguindo cada um o seu caminho e eu fiquei só com o trabalho desgastante e estressante. Acho que a solidão às vezes pesa um pouco. É difícil encontrar uma companhia masculina que valha a pena. Ainda hoje, em pleno século XXI, muitos homens têm medo de mulheres livres, independentes, inteligentes, bem sucedidas profissionalmente. Parece que se sentem inseguros. Assim eu vou seguindo sozinha.

Estavam sempre juntos, ele se encantando com ela que estava sempre provocante e super sensual. Ela o tratando como um amigo. Júlio lhe mostrou todo o lugar. Ela aprendeu a lidar com a terra e com os animais. Decidiu comprar a casa em que estava hospedada e ele teve uma esperança que ela ficasse por ali e que tivesse um chance de conquistá-la, mas não sabia que ela já estava se apaixonando por ele.

Na véspera da sua partida ele perguntou se ela voltaria. Ela não respondeu. Mas efetivou a compra da casa antes de ir. Ao vê-la partir ele sentiu uma tristeza em seu coração. Talvez tivesse perdido a oportunidade de dizer o quanto estava se sentindo atraído por ela. Desaparecendo na curva da estrada ela voltou pra seu mundo.

A cada dia se sentia insatisfeita e começou a bater de frente com a presidência. Enfim ameaçaram de colocá-la na rua e ela respondeu que o fizessem. Depois de muitos desentendimentos ela recebeu o cartão vermelho com ameaças de não conseguir emprego em mais nenhuma empresa. O que não sabiam é que ela tinha outros convites de trabalho.

Depois de quase dois meses, Júlio desistiu de esperar por ela. Sentia saudade em tudo o que via. Lembrava do dia em que ela apareceu ali e de cada dia que ela passou lá.

Com calma ela arrumou a sua vida e foi passar uma temporada no vilarejo. Estava com saudades de Júlio e do lugar. Ainda não sabia se ficaria por lá. Decidiria depois.

Ao vê-la chegar, Júlio correu ao seu encontro. Conversaram, contaram o que viveram no tempo de ausência e ele disse que estava pensando em ajudar o pessoal do lugar a formar uma cooperativa para melhor se organizarem. Ela gostou da idéia e se ofereceu para ajudar. Não lhes faltou assunto para toda a tarde.

À noite ele a chamou para o jantar. Jantaram, riram conversaram:

—Você veio pra ficar?

—Não faca perguntas difíceis. Não tenho como responder.

—Sabia que eu não tenho nenhum medo de uma mulher livre, independente, inteligente, e bem sucedida profissionalmente? E gosto muito de uma mulher linda, provocante e sensual — ela sorriu.

—Sabia que eu gosto muito de homens com atitude, determinação e que sabem o que querem? Pensei que fosse me decepcionar. Apesar de ser uma mulher livre e sem preconceitos eu ainda tenho dificuldade de tomar a iniciativa. Pensei que você não fosse se decidir nunca ou que não tivesse nenhum sentimento por mim.

Ela se aproximou perigosamente dele que a puxou e beijou. Na cama ele beijou todo seu corpo com carinho imenso, tocou seus seios que um dia o deixaram pra enlouquecer de desejo. Numa bela dança cheia de sincronia e carícias plenas se extasiaram, se lambuzaram e se fartaram um do outro. Era só a primeira noite de amor que viveriam. Sem pressa, sem promessa, sem pensar no amanhã e no que o futuro reservaria para suas vidas…

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 16/11/2024
Reeditado em 19/11/2024
Código do texto: T8198322
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