Garota pobre em busca de seus sonhos
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE. 12 de novembro de 2024
Naquela noite escura e fria, Flávia encontrava-se impaciente, como todas as outras garotas que ali faziam ponto, todas os dias. Esperava que aparecesse pelo menos, um freguês com condições de lhe dar um bom dinheiro, por um programa de duas horas. Ela precisava completar o pagamento de um quarto que alugara, em uma casa próxima à faculdade, onde cursava o primeiro ano de medicina. Caso contrário, a senhoria colocará Flavinha, garota de vinte anos, vinda do interior para estudar, para ser gente, como ela afirmava quando conta a sua situação, agora morando na cidade grande. À companheira de infortúnio, ela comentou:
─ Estranho, ninguém aparece, já estou com os ossos doídos, que sábado maldito, reclama a estudante. Faço isso para custear meu curso na faculdade de medicina, quero ser médica e sair dessa vida miserável.
─ Tenha calma, amiga, você vai vencer, tenho trinta e oito anos, vinte dos quais, só nessa profissão, onde conquistei casa própria, carro e dois filhos em idade escolar, para sustentar. Não preciso de casamento para viver assim, exclamou a companheira de atividade laboral.
Depois de ouvir aquela história, a interiorana ficou ciente de estar no caminho certo, já que não tinha outro meio para continuar perseguindo sua meta, ser médica, cuidar de sua família e do povo pobre de sua cidade natal. Ela não tinha medo de ser rejeitada pela família, pois era tudo o que eles queriam para ela.
A maior preocupação de Flavinha era esconder o que fazia durante as noites que precisava fazer dinheiro. Também, a necessidade de esconder essa sua atividade, tem trazido desgaste emocional, levando-a, às vezes, temer pela sua segurança psicológica, que pudesse prejudicar os seus estudos. Por isso, evitava ter relacionamento durável, não se entregando totalmente a aqueles com os quais ficava por mais de uma vez. Ela deixava bem claro que é apenas por necessidade temporária. Se dizia bastante consciente, embora tivesse medo.
Temia que seus familiares e também os colegas de faculdade, tomassem conhecimento que suas necessidades do vil metal, eram supridas pelos programas noturnos que realizava, quase que diariamente. Nessa atividade não estava procurando uma maneira de ficar rica, ostentar. Nem se considerava uma garota de programa, pois, segundo ela, aquilo era apenas uma necessidade de sobrevivência, que um dia cessaria.
Tinha conhecimento que algumas das garotas que estavam na mesma situação que a sua, estavam cadastradas em sites de acompanhantes. Entretanto, confessava que não entraria na internet, para não ser localizada por homens com os quais já saiu, com receio de ser encontrada. Seus pais e familiares nem sabiam onde morava. Só irá aparecer na casa de seus pais novamente, quando estivesse próxima de se formar, e já trabalhando em um hospital, em atividades obrigatórias do curso.
E foi isso o que aconteceu. Depois de oito anos longe de casa, retornou à sua cidade natal, já formada e com emprego garantido no hospital de uma cidade um pouco distante da sua. Desceu de seu carro, bateu na porta da casa que viveu por dezoito anos. Seu coração bateu freneticamente, não se continha de satisfeita em se encontrar frente àquela casa, que a abrigou desde o início de sua vida. Eram seis horas da manhã, à mesma hora e no mesmo dia da semana que, há oito anos deixara sua casa, em busca de seus sonhos.
Infelizmente, não aconteceu como ela havia planejado. Quem abriu aquela porta foi um desconhecido para ela. O senhor, por ter sido perturbado àquela hora, saiu com ar zangado, perguntando:
─ O que a senhora deseja a essa hora da manhã, eu estava dormindo, ainda.
Trêmula e já temerosa que algo tivesse acontecido com seus pais, ela perguntou:
─ O seu Antônio e dona Geraldina não moram mais nesta casa?
A resposta veio curta e grossa:
─ Não, eles morreram há dois anos, primeiro ela, depois ele.
─ E os filhos que moravam com eles, onde estão?
─ Eu comprei a casa da mão deles dois, que haviam recebido por herança dos pais, e foram morar em São Paulo, para procurar a irmã que desapareceu, mas eles desconfiavam que é lá que ela mora. Ela saiu sem revelar o endereço, nem para qual cidade foi.
Ouvindo esses relatos, Flavinha iniciou a chorar copiosamente. O homem, assustado, pediu para ela entrar e lhe deu um copo d’água. Aos poucos ela foi se acalmando, passou uma vista pelo local onde estava, verificando que tudo à sua frente era da época que vivera os melhores tempos de sua infância. Observou que só faltava o retrato dos pais, pintado à mão e protegido por uma moldura oval de madeira escura. O resto estava tudo ali, conforme sua mãe arrumava sempre.
Já calma, pediu para visitar os outros cômodos, pois quem estava ali era nada mais, nada menos, do que a filha de dona Geraldina e seu Antônio. Essa revelação provocou um susto no agora proprietário daquela casa. De imediato ele foi acordar a mulher, para testemunhar aquele acontecimento. Ele não fez mais nenhuma pergunta, estava estarrecido com aquela revelação.
Enquanto o homem estava no quarto tentando acordar a esposa, Flavinha saiu de fininho, entrou em seu carro e, novamente, saiu sem dizer nada, para nunca mais voltar àquela cidade. Não havia mais lugar para ela ali, dirigiu-se a cidade próxima, 500 km de distância, que a contratara como médica.