SOLIDARIEDADE

Depois que seu Brandão morreu, a mulher dele resolveu vender tudo e ir morar no Rio Grande do Sul com a filha casada com um comerciante de lá. A oficina mecânica do marido que foi o ganha pão da família durante a vida toda, foi colocada à venda e a pessoa que apareceu era da cidade de Macaíba, no Rio Grande do Norte, mas tudo teria que ser entregue no endereço dele.

Dona Elvira nunca teve a oportunidade de fazer qualquer trato comercial e achou que o comprador tinha toda razão em querer que a mercadoria fosse entregue na porta dele. Afinal era assim que agia o dono da venda onde ela sempre comprou o que necessitava para a sua casa e acertou com o seu vizinho, proprietário de uma caminhonete D20 com reboque para levar tudo o mais breve possível.

O torno, mais pesado que uma manada de elefantes, foi colocado com muito custo em cima do reboque, juntamente com as caixas de madeira contendo o restante das ferramentas e para que não houvesse transtornos, a viagem foi programada para as primeiras horas do dia seguinte a fim de que a entrega fosse feita ainda com dia claro.

Mas imprevistos sempre acontecem. Motores a diesel têm uns tais bicos injetores que precisam de manutenção constante, tanto pela delicadeza do instrumento quanto pela péssima condição do combustível que se vende por aí. O filtro precisa estar 100% ou vai haver problema com a certeza tão absoluta quanto a de que tudo que vivo um dia há de morrer.

Ainda na Paraíba, mais ou menos na altura daquela esplanada de Mamanguape que além de cajueiros não se vê um pé de gente entre os povoados, sem construções e onde raramente passa alguém, a caminhonete teve um acesso de tosse e apagou. O máximo que Paulo pôde fazer foi aproveitando o embalo, trazer a caminhonete para o acostamento e tentar contornar o problema que, com certeza era na injeção do combustível.

Mas o problema se mostrou bem maior porque o filtro estava rompido e a sujeira do diesel devia ter entupido todos os bicos injetores. O tempo rolando, as horas passando e nada da solução. Já passava muito do meio dia quando uma outra caminhonete parou pouco mais adiante. O homem falou ao se aproximar.

- Eu acho que você está com um grande problema rapaz... qual foi a encrenca?

Paulo pouco entendia de mecânica, salvo uns remendos no fusquinha velho que ele fazia até com faca de mesa, no resto ele precisava ser socorrido por quem realmente entendesse do riscado, mas arriscou de que se tratava de bico entupido e mostrou o furo no filtro. Conversaram sobre a venda das ferramentas, sobre o falecimento do antigo dono, da inexperiência da dona Elvira no trato com o comprador e sobre a entrega que precisava ser feita. Sem alarde, o desconhecido ofereceu a solução.

- Eu vou lhe rebocar até a minha oficina. A gente atrela o reboque com o material na minha caminhonete e você vai fazer a entrega com ela. Na volta você pega a sua, porque eu já devo ter resolvido o problema.

E assim se fez. Quando Paulo chegou em Macaíba já era noite e só no dia seguinte foi que arranjaram os ajudantes para descarregar o torno pesadão.

Paulo voltou o mais rápido possível. Tudo estava resolvido, mas o homem que ajudou a solucionar o problema, além de não cobrar pelo conserto da caminhonete, se recusou a receber o dinheiro do filtro novo e não permitiu que Paulo fosse até o posto para repor o combustível que havia sido gasto.

Os nomes dos personagens e os locais foram alterados, mas essa história é verídica, aconteceu há mais de trinta e cinco anos. Não se registrou o nome do homem que ajudou nem se houve oportunidade de encontra-lo outra vez, mas fica a certeza de que, nos dias atuais, já não mais existe a solidariedade daqueles tempos idos.