UM DIA, CAFÉ VIROU FEIJÃO
Contam que numa determinada época no sertão do Cariri entre os Estados da Paraíba e Pernambuco, houve desentendimento das autoridades quanto ao controle das entradas e saídas de mercadorias e as coletorias foram informadas das que estavam isentas e as que precisavam ser retidas até que os encargos de importação estivessem devidamente quitados.
Mas nem sempre o que é determinado pelas autoridades serve para atender as necessidades dos produtores e principalmente dos consumidores das mercadorias que formam a base alimentar das populações e os impostos determinados de acordo com a conveniência atual, impacta nas economias locais sendo, geralmente, prejudiciais.
João Grande, fazia parte das pessoas mais ativas da região. Para ele não tinha tempo ruim para trabalhar. Possuía uma burrama para transporte de mercadorias e impunha respeito tanto pelo volume corporal e vozeirão quanto pelas armas que portava, a faca peixeira de 12 polegadas, mais amolada do que navalha de barbeiro e o revolver, desses que se diz que o cano é tão longo que faz buraco na sela da montaria.
João Grande foi contratado para levar uma carga de café em caroço, desses que a gente sente o cheiro de longe, mas a isenção sobre o produto havia sido suspensa a fim de controlar a entrada na Paraíba para não prejudicar a comercialização do café que o governador tinha importado do Paraná.
O caminho era longo e a burrama precisava descansar por uma noite e não havia melhor lugar para isso do que a fazendo de Miguelito Gonçalves, onde se podia alimentar e dar banho nos animais.
Descarregadas as cangalhas Zezo de Tina, ajudante da comitiva, levou os bichos para o piquete e em cima dos pés trouxe de volta. João Grande quando viu que os animais não tinham comido nem estavam lavados quis saber que novidade era essa.
- Aquele cabra disse que o Sô Miguelito não deixa mais não, nem dar banho nem de comer o capim porque já está vendido e a água é para molhar o capim todo.
Quando soube do impedimento, João Grande foi até um pé de marmelo, com dois cortes precisos tirou uma estaca de boa circunferência e falando bem alto disse que ia tirar esse assunto a limpo. Quando o funcionário da fazenda viu aquele homem com quase dois metros de altura com as cordas dos animais numa das mãos e a estaca de marmelo na outra, vindo para cima dele com cara de poucos amigos abriu a porteira. Trocaram um aperto de mão com cordiais desejos de boa noite, comentaram sobre a secura dos últimos dias e João Grande, de longe, gritou para Zezo de Tina, oh! Cabra frouxo, você não sabe conversar feito gente, quase me faz dar uma pisa nesse moço aqui...
No dia seguinte, já na fronteira, o encarregado da coletoria veio saber o que estava passando e no intuito de avisar que já estava sabendo do que se tratava, disse quando chegou mais perto - Eita que café cheiroso, homem de Deus.
João Grande rebateu na hora, - né café não moço, é feijão. - É café, olhe o cheiro. – Eu estou dizendo que é feijão, moço. – Vou buscar o calador para tirar a mostra e virou-se para ir ao escritório.
João Grande desmontou já com o revolver na mão falando bem alto, não precisa ir buscar não, vou tirar uma amostra para o senhor. Meteu o cano no saco, tirou alguns grãos de café e com o próprio revolver, depositou diretamente na mão trêmula do funcionário que, sem levantar os olhos, disse: - É mesmo, é feijão e do bom. Pode passar, vá com Deus...
Mais adiante, na coletoria da Paraíba o fiscal era desassombrado e não quis conversa. Tinha que pagar a taxa ou o café não entrava no Estado...
João Grande andava sempre vestido com casaco de tecido grosso, desses com quatro bolsos na frente parecido com paletó, que não deixava ver a faca atravessada nas costas nem a parte de cima do coldre com o revolver que eram partes integrantes e inseparáveis da sua vestimenta.
Quando viu que os argumentos não iam surtir o efeito desejado, João Grande tirou o casaco e entregando a Zezo de Tina, disse a ele, leve para Maria, minha mulher e diga a ela que eu fui para os infernos agarrado mais o coletor da Paraíba.
Nesse dia, café mudou de nome...