A árvore coletiva

A manhã ainda ia pelo meio quando Russell Lindsay estacionou a picape Ford F-150, vermelha, em frente ao Bar do Joe. Normalmente, ele parava ali quando vinha até a cidade resolver algum problema, e antes de pegar a estrada para voltar à fazenda. Ao entrar no estabelecimento, deparou-se com poucos clientes, ninguém no balcão; por trás do mesmo, o proprietário, Hubert "Joe" Beard, parecia ocupado conferindo uma lista impressa, presa numa prancheta de madeira. Ergueu os olhos ao ver a chegada de Lindsay.

- E aí, Russell?

- Tudo em ordem, Joe?

Lindsay sentou-se em frente ao balcão e fez um sinal para Maria, a garçonete, que acabara de servir uma mesa.

- O de sempre? - Indagou ela, que trazia um bule de café para ser reabastecido.

- O de sempre - confirmou Lindsay.

Enquanto esperava que o servissem, desviou os olhos para a TV presa a um suporte na parede. Uma expressão de desagrado surgiu em seu rosto, ao ver o comercial que estava sendo exibido.

- Isso devia ser proibido - resmungou

"Joe" Beard voltou-se para a TV e ergueu os sobrolhos.

- Está com medo da concorrência, Russell?

- Não são meus concorrentes - protestou o fazendeiro. - Essas coisas são produzidas em fábricas!

Maria aproximou-se com um prato de bacon com ovos, o qual colocou sobre o balcão em frente de Lindsay. Ao virar-se para pegar o bule de café, deu uma piscadela para "Joe" Beard, que sorriu de volta.

- Livre mercado, Russell; estamos num país livre - provocou-o o dono do bar.

- Isso não tem nada a ver com concorrência, mas com valores - insistiu Lindsay, enquanto Maria enchia uma caneca com café preto, no qual ele pingou algumas gotas de sacarina. Depois de provar o conteúdo e fazer uma careta, prosseguiu com azedume:

- Além de ser de mau gosto, aquilo vem de um país comunista!

- Esqueça o passado, Russell. É só uma droga de árvore de Natal de plástico - minimizou "Joe" Beard, voltando a dedicar sua atenção à conferência de uma lista de almoxarifado, com os itens que precisava comprar para repor os estoques do bar.

- Uma árvore de plástico chinesa - prosseguiu Lindsay, falando de boca cheia. E, depois de engolir:

- Um país que sequer tem tradições cristãs; não deveriam estar exportando esse lixo para cá!

O dono do bar ergueu novamente os olhos da lista e encarou o cliente:

- Você só está falando isso porque tem uma fazenda de árvores de Natal, Lindsay.

- A melhor e mais antiga da região, com cem anos de experiência - recitou o interpelado com ar cansado. - E tudo isso para que agora queiram acabar com as nossas tradições, nos empurrando essas contrafações de plástico, que não podem nem ser queimadas na fogueira, em janeiro!

- Em compensação, podem ser desmontadas e guardadas numa caixa, para serem reutilizadas no ano seguinte - redarguiu "Joe" Beard, desistindo momentaneamente de checar a lista. - Nesse aspecto, são muito mais práticas.

- De que lado você está, Joe? - Questionou Lindsay, bebericando o café.

- Sossegue, Russell - apaziguou-o. - Comprar uma árvore de Natal viva é algo que a maioria das pessoas sempre vai preferir; mas, para aqueles que eventualmente não possam arcar com os custos da escolha da árvore perfeita, uma dessas de plástico serve perfeitamente.

O fazendeiro deu de ombros, parecendo acatar o comentário.

- Talvez você tenha razão, Joe. Se as pessoas hoje em dia moram em apartamentos que não têm chaminés, porque se importariam em ter uma árvore de Natal de verdade, não é mesmo?

- O que tem as chaminés a ver com a história? - Indagou "Joe" Beard intrigado.

Lindsay deu uma garfada no bacon com ovos, mastigou bem e engoliu antes de responder, muito sério:

- Papai Noel, é claro. Como esses moradores de apartamentos vão explicar Papai Noel para os filhos? Como ele vai deixar os presentes das crianças, se não tem chaminé nem lareira para entrar, só um aquecedor no porão, ou talvez mesmo um desses elétricos? Percebe como vamos perdendo as nossas tradições, pouco a pouco?

O dono do bar ergueu os sobrolhos.

- Russell, nas grandes cidades as pessoas moram em prédios, e não me parece que isso tenha colocado em risco as tradições natalinas. Está com medo que a árvore de plástico substitua Papai Noel?

Lindsay abaixou a cabeça e suspirou, subitamente parecendo mais velho do que os seus 65 anos.

- Talvez esteja nascendo uma nova tradição, Joe, onde a árvore de plástico traz os presentes que são produzidos numa fábrica da China; não mais no Pólo Norte, pelos elfos de Papai Noel.

- Acho que você está ficando muito saudosista, Russell; duvido que as crianças de hoje em dia percam seu tempo, pensando de onde vem os presentes que os pais colocam debaixo da árvore, seja viva ou de plástico - avaliou "Joe" Beard.

Lindsay terminou de comer e apoiou os cotovelos no balcão, pensativo, mãos entrelaçadas.

- O meu saudosismo é justificado, Joe - declarou finalmente. - Vim hoje à cidade porque está chegando a hora de passar o negócio adiante e me aposentar.

- Você vai vender a fazenda? - Indagou surpreso o dono do bar.

Lindsay fez um aceno afirmativo, enquanto Maria recolhia o prato vazio.

- Aqueles empresários chineses, da Huang Incorporated, me fizeram uma proposta irrecusável... acabei de assinar o contrato de compra e venda no escritório do advogado deles.

"Joe" Beard levou a mão ao queixo.

- Os chineses, que você estava xingando ainda a pouco, vão comprar o seu negócio familiar de árvores de Natal?

Lindsay balançou a cabeça, afirmativamente.

- Sim. E vão acabar com ele. Este vai ser o último Natal em que se poderá comprar uma árvore de verdade nessa região. Em abril do ano que vem, vão começar a arrancar as árvores, e depois construir um condomínio fechado, com vários blocos de apartamentos...

O dono do bar encarou o cliente com comiseração.

- E o que te fez aceitar a proposta? Além do dinheiro, claro...

Lindsay baixou a cabeça, desanimado.

- Estou ficando velho, Joe, e nenhum dos meus filhos tem interesse na fazenda. Para eles, é melhor mesmo que eu venda, enquanto há alguém disposto a pagar bem pela propriedade; naturalmente, vão querer que eu adiante a parte deles no negócio.

- Eu realmente sinto muito, Russell - disse "Joe" Beard. - E o que vai ser de você?

- Acho que vou para a Flórida - ponderou o fazendeiro. - Imagino que lá ninguém se interesse por árvores de Natal, e não vou precisar ficar relembrando o passado.

- Mas vai receber uma bela grana! - Encorajou-o "Joe" Beard.

Lindsay prosseguiu, como se não o tivesse ouvido.

- E me disseram que junto de cada bloco de apartamentos vai haver uma pracinha com um jardim, onde querem deixar plantada uma das minha árvores... como uma lembrança do tempo em que tudo aquilo era uma fazenda.

- Talvez essa seja a nova tradição que os moradores de apartamento irão criar - sugeriu o dono do bar. - Uma árvore coletiva, que todos possam usufruir e que nunca será cortada.

Lindsay encarou "Joe" Beard com uma expressão resignada:

- Ouviu o que você acabou de dizer, Joe? Árvore coletiva!

E pegando a carteira do bolso para pagar a conta, concluiu com amargura:

- Bem-vindo ao comunismo!